Quem sintoniza a SIC Notícias já esbarrou com certeza em OBRA PRIMA, de Gabriela Canavilhas - 5 minutos pelos tesouros da arte portuguesa. A voz, o ritmo, o fundo musical, a fotografia, a atenção ao pormenor, a selecção das obras são de uma elegância sem par.
segunda-feira, dezembro 23
segunda-feira, novembro 25
O Caminhante Solitário, W. G. Sebald
Sobre a obra de Robert Walser: “…Como havemos de compreender um autor que tantas sombras ameaçadoras
acossaram, e que no entanto derrama a cada página a mais cativante luz? Um
autor que cultivava o humor por puro desespero, que escreveu quase sempre a mesma
coisa sem nunca se repetir, que chegava a não entender o seu próprio pensamento
agudizado até ao mais ínfimo pormenor, que sem tirar os pés da terra andava
sempre perdido na atmosfera, cuja prosa tem a propriedade de se dissolver na
leitura de tal modo que umas horas depois já quase não nos lembramos dos
personagens, dos acontecimentos e das coisas de que tratava?”
Sebald transcrevendo Walser: “As minhas costas estão a ficar corcundas pois fico durante horas
dobrado sobre uma palavra que tem que percorrer o longo caminho entre o cérebro
e o papel”
terça-feira, outubro 1
Austerlitz, de Sebald
" ... ao lançar o primeiro olhar à folha na manhã seguinte, encontraria os piores erros, incongruências e dislates. Muito ou pouco que tivesse escrito parecia sempre, a uma leitura posterior, tão destituído de fundamentos que tinha que o destruir sem demora e começar de novo. Em breve se me tornou desagradável dar sequer o primeiro passo. Como um equilibrista que deixa de saber como se põe um pé à frente do outro no arame..."
" Adele envolta em peças de lã castanho-esverdeada com milhões de gotículas de água agarradas à vaporosa orla franjada, a formar uma espécie de resplendor prateado em seu redor. Na dobra do braço direito trazia um grande ramo de crisântemos cor de ferrugem e quando atravessámos o pátio lado a lado sem uma palavra e parámos à entrada, ela ergueu a mão livre e compôs o cabelo da minha testa, como se soubesse que por esse único gesto seria sempre lembrada."
domingo, setembro 22
Livros de um verão trôpego
O primeiro, a evitar; o segundo, a confirmação de um grande livro; e o último deste verão trôpego, a grande revelação - prosa fluida, de uma elegância e beleza surpreendentes.
segunda-feira, agosto 12
Recomeçar
Com Jesualdo pensei que tínhamos chegado definitivamente à conclusão que a um Sporting de parcos recursos económicos só lhe restava a aposta na formação. Temo
que se tenha voltado atrás: chegaram inúmeros jogadores de qualidade duvidosa, recuperaram alguns manifestamente incapazes, empurraram os “miúdos” de qualidade inquestionável para o banco, para a B e, talvez, para
fora.
Recomeça-se permanentemente no Sporting, talvez por
ignorância do que se fez, talvez por vaidade.
segunda-feira, julho 22
segunda-feira, julho 8
Um mestre em apuros
Premissas para revogar o irrevogável:
Paulo Portas, dois anos depois, tem a
certeza que Passos Coelho é incompetente; Paulo Portas espera até ao limite do
suportável pela demissão de Vitor Gaspar; Paulo Portas vê na nomeação da Maria Luis
o perpetuar de uma apagada e vil tristeza; Paulo Portas sabe que a queda do
governo representa a extinção do CDS/PP; sabe também que esta oportunidade é a
última hipótese de chefiar um governo.
Jogada final de um mestre em apuros.
sábado, junho 29
O poder nas ruas
Female tailors on strike.New York City, February, 1910
Não será por acaso que o direito à greve está consagrado em todas as
constituições dos países ocidentais civilizados. Representa o último patamar a
que recorrem todos aqueles que querem ser ouvidos e que reclamam atenção de
quem os governa.
Desvalorizar, ridicularizar ou achar, como se tem ouvido cada vez mais, que os grevistas não passam de gentinha manipulada por sindicatos ou partidos sem escrúpulos é não só estúpido como abre naturalmente caminho a soluções bem menos civilizadas: os últimos tempos têm sido férteis, na Turquia e no Brasil, o povo saiu em manifestações de rua, espontâneas, inorgânicas, ameaçadoras, conquistando simpatias e promessas imediatas dos governantes. E o perigo vem verdadeiramente daí, do poder poder cair nas ruas - e todos sabemos o que isso significa.
Desvalorizar, ridicularizar ou achar, como se tem ouvido cada vez mais, que os grevistas não passam de gentinha manipulada por sindicatos ou partidos sem escrúpulos é não só estúpido como abre naturalmente caminho a soluções bem menos civilizadas: os últimos tempos têm sido férteis, na Turquia e no Brasil, o povo saiu em manifestações de rua, espontâneas, inorgânicas, ameaçadoras, conquistando simpatias e promessas imediatas dos governantes. E o perigo vem verdadeiramente daí, do poder poder cair nas ruas - e todos sabemos o que isso significa.
Insisto: o direito à greve representou um enorme avanço civilizacional e desvalorizá-lo parece-me politicamente um erro grave e um desrespeito
pelo passado que nos trouxe até aqui.
quinta-feira, junho 20
terça-feira, junho 18
My world was five blocks long.
Conan: I'm just imagining you coming from this completely other world and you're from Bayonne, North Carolina. What about growing up there brought you to this world? Was there anything about your childhood? GEORGE R. R. MARTIN: It was imagination. I come from a blue collar family. My father was a long shoreman. We lived in the projects on first street there which has a deep water channel in front of it, it's the connection between the bays and Staten Island across the way. We didn't have much money. We didn't even own a car. My world was five blocks long. We lived on administrative street, I went to school on first street. I read books and watched television and film. I would watch the big ships with all of the flags of different countries of the world and lights of Staten Island across the way where we never even went and wondering what exotic mysteries and wonders lurked on Staten Island. Would I ever see them. CONAN: That is your concept of what Staten Island is? [Laughter] CONAN: That's fantastic! GEORGE R. R. MARTIN: I did finally get to Staten Island and I have to say it was kind of disappointing. [Laughter]
sábado, junho 8
O Paulo e o Helder
Não sei se é deliberado, mas o Paulo vulgariza todas as suas equipas. Ele próprio, seleccionador nacional, discreto e avesso a
convulsões, mantém um discurso previsível e redundante. O esforço e a entrega são
as únicas estratégias para a equipa de todos nós. Ainda em nome do colectivo, esquece-se
dos apelidos das estrelas, tornando-as tangíveis e humanas. Do Fábio ao João, do
Rúben ao Cristiano. Se dúvidas houvesse, Paulo Bento coloca sempre o Postiga
por sessenta e tal minutos e ficamos com a sensação que também nós, velhos e
estropiados, poderemos um dia envergar a camisola das quinas.
segunda-feira, maio 13
Tweet of the day - rouxinol
Tweet of the Day is a series of fascinating stories about our British birds inspired by their calls and songs.David Attenborough presents the extraordinary duet between cellist Beatrice Harrison and a nightingale recorded live as an outside broadcast and the first broadcast of any wild animal not in captivity.
http://www.bbc.co.uk/radio/player/b01sby02
http://www.elmundo.es/especiales/2008/05/ciencia/sonido_naturaleza/sonidos_17_05_2013.html
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a9/XN_Luscinia_megarhynchos_012.ogg
quarta-feira, maio 1
Ponto de partida para os cortes
A mais séria proposta de Reforma do Estado foi lançada, em jeito de desafio, por Paulo Pedroso na TVI24. Sumariamente: analise-se onde o
Estado gasta mais do que a média europeia em percentagem do PIB e corte-se aí.
A formulação é tão simples que me parece um justo ponto de partida para
qualquer reforma séria. Ou não?
quinta-feira, abril 25
Quando o aristocrático e decrépito Palace Hotel se encheu de pobres
O João e o Di eram
pretos. Conhecíamos outros em Vidago, mas, verdadeiramente, os sobrinhos do padre da paróquia nunca os considerámos como tal. Eram tão ou mais brancos quanto todos nós. Cresceram connosco. Não
contavam.
De um dia para o outro, a descolonização encheu os hotéis
termais de pretos, mesmo que alguns fossem brancos de pele pigmentada pelo
calor das colónias. Mais do que pretos ou brancos, eram pobres. Mais do que pobres era gente sem nada, desgraçada. Via-se no olhar, nas mãos, na postura.
O aristocrático e
decrépito Palace Hotel lotou com centenas de retornados sem família na
metrópole. Famílias inteiras num quarto. Despejadas. Talvez tivessem ficado
deslumbradas com a escadaria e aposentos do hotel real, mas não esperavam por um
inverno daquela dimensão. Geada atrás de geada. Brancas. Cortantes. Corpos
magros colavam-se às paredes dos cafés da vila, encolhidos, de frente para um
sol incapaz de compensar a leveza das roupas coloridas. Desconheciam as lãs, as
samarras, as botas. Quando as adquiriram, não conseguiram esconder
nem o frio nem o desconforto nem o completo abandono.
Habituados à burguesia portuense que ocupava os hotéis nos
três meses de verão, a pequena vila transmontana estranhou os novos habitantes.
Preocupou-se com as consequências da ocupação. Lamentou. Ajudou no
que pode. Alguns lucraram, porque há sempre quem lucre com a desgraça alheia.
Também eu fui beneficiado.
O Sr. Arlindo, homem dedicado à terra e ao futebol juvenil,
descobriu na miudagem recém-chegada o João e o Di. Tinham,
evidentemente, a nossa idade, sabiam jogar à bola e, sobretudo, estampa de
jogadores. O João era possante e de pontapé forte. O Di, de perna arqueada, hábil e rápido - um
extremo à moda antiga. Nunca uma equipa do Vidago F. C. ficara tão
perfeita: tínhamos dois pretos, tal como o Sporting e o Benfica. Se alguém
guardou a fotografia dessa equipa reparou na harmonia da composição, no branco
e preto do equipamento e dos rostos, sorrisos rasgados,
dentes magníficos dos dois angolanos.
E todos os domingos de manhã a alegria e os abraços estavam
à distância ínfima de um golo ou, na falta dele, nada nos aproximou mais que
partilhar a tristeza das derrotas. Coisas de pretos e de brancos.
segunda-feira, abril 15
terça-feira, abril 2
Entre a cólera e a peste
Entre a cólera e a peste há alguns que continuam a manter a inteligência e a lucidez.
sexta-feira, março 22
Mestres do nonsense
Se Samuel Becket conhecesse esta gente que nos representa, talvez a sua ficção tomasse outro rumo. Dificilmente a sua imaginação ultrapassaria os
protagonistas desta longa peça a que assistimos. "Eles não se movem". A inacção e o jogo do empurra a
que assistimos sobre o limite dos mandatos autárquicos são tão absurdos que a não
resolução atempada deste falso problema seria suficiente para dissolver a
Assembleia da República e, em consequência, o pedido de demissão do timoneiro da barca.
quinta-feira, março 21
Janela Indiscreta
Há sensivelmente 30 anos, na Cinemateca, num ciclo de cinema sobre Alfred Hitchcock, coloquei Janela Indiscreta no top dos meus filmes preferidos. Ontem, a convite da minha filha Inês, voltei à Cinemateca para o rever. Rever tanto tempo depois faz com que a ansiedade e a dúvida se instalem: terá resistido à erosão do tempo? A dúvida dissipou-se no primeiro travelling. Começa num gato a subir umas escadas nas traseiras do prédio onde se centram todos os pólos de atracção, e onde todo o mundo cabe, até à janela aberta onde um James Stewart imóvel, de perna engessada, se encontra. Será o voyeur que nos conduzirá ao ritmo e imaginação de Hitchcock. As interpretações pareceram-me, agora, banais, já os diálogos mantêm o bom gosto, a inteligência e frescura de sempre.
terça-feira, março 19
Faz hoje 80 anos
De Engano, (D.Quixote), o último publicado em portugal:
"Para ti, o ideal é quando essas mulheres com emoção não conseguem sequer contar a sua história, antes lutam por conhecer a sua história. É nisso que tu encontras o erotismo. E o exotismo. Cada mulher uma foda, cada foda uma Xerasade. Não foram capazes de ter acesso à sua verdadeira história, e há no facto de a contarem uma espécie de compulsão para completar a vida... e isso tem muito de phatos. Claro que é excitante; o simples fluir do som que elas produzem, a intimidade da conversa, para ti são excitantes. O excitante não está necessariamente nas histórias em si, mas na necessidade que elas têm de as produzir . A matéria bruta, inarticulada, o que está simplesmente latente, é a realidade, nisso tens razão. a vida antes de sobrevir a narrativa é a vida. Elas tentam preencher por palavras próprias o fosso enorme que separo o ato em si da sua transformação em história. E tu ouves com atenção e apressas-te a registar por escrito o que ouves e depois estraga-lo com a tua maldita mania de transformar tudo em ficção."
sexta-feira, março 15
quarta-feira, março 6
Correcções, um poderoso romance
Jonathan Franzen, Correcções
segunda-feira, fevereiro 25
O elogio da imperfeição, José Tolentino de Mendonça
Excerto de uma entrevista ao SOL
No seu livro Nenhum Caminho Será Longo afirma que a perfeição é impossível. Devemos aceitar-nos como somos?
Interessa-me muito mais fazer o elogio da imperfeição. Entender e abraçar a imperfeição, que é muito mais humana e verdadeira. O ideal da perfeição torna-se banal, estandardizado. A imperfeição carrega a singularidade, as marcas biográficas, o que corresponde ao vivido.
Isso não vai contra o ‘não pecarás’?
Gosto desta definição: um santo é um pecador que não desiste. O caminho espiritual que a Igreja propõe é esse, um caminho de maturação, de transformação permanente. Tem a ver com o que podemos dar a cada tempo da nossa vida. Não é o homem que foi feito para a lei, é a lei que é feita para o homem. E é feita para o homem crescer, maturar, ter hipótese de ser em plenitude. A palavra pecado, na sua origem, significa falhar o alvo. O pecado é isso: quando não acertamos no essencial. Mas com essas falhas também se aprende. Tudo é caminho.
É primeiro padre e depois poeta, é primeiro poeta e depois padre, ou a poesia e o sacerdócio são indissociáveis?
Perante uma folha em branco nós não somos nada. A folha em branco exige-nos esse exercício de ignorância. Estamos sempre a começar. O que somos não interessa, o que escrevemos não interessa. Interessa escrever a primeira palavra como se fosse a primeira palavra do mundo. Essa é a experiência da poesia.
domingo, fevereiro 17
Jesualdo não andou pelas bancadas de Alvalade
Jesualdo não andou pelas bancadas de Alvalade, nem pôde. O
estatuto que granjeou e o percurso fora de portas não o permitiram. Se por lá tivesse
andado, teria percebido, desde o início do campeonato, o mau estar dos adeptos pelas
aquisições desastradas dos dirigentes e pelas desconcertantes opções tomadas jogo
após jogo. E o que se dizia pelas bancadas? O óbvio, o que saltava aos olhos de
todos: ponham os miúdos da B com dois ou três da “principal”, não mais, e farão boa figura, justificando, também, o que sobra do Sporting – a Academia.
Jesualdo pareceu-me empurrado para esta solução, mas talvez
a tempo de a assumir e de marcar definitivamente o rumo para o clube.
quarta-feira, fevereiro 13
As preocupações sociais dos nossos banqueiros
"BANCOS VÃO CORTAR MAIS DE 800 POSTOS DE TRABALHO EM 2013"
"... o BES quer reduzir este ano 244 trabalhadores através de rescisões amigáveis e de reformas. No ano passado, o banco perdeu 136 trabalhadores.
O banco liderado por Fernando Ulrich acabou 2012 com menos 258 trabalhadores, ao passo que no banco público saíram mais de 100. O presidente da instituição, José de Matos, disse na apresentação de contas anual que quer continuar a reduzir pessoal mas sem recorrer a uma «política de despedimentos agressiva».
No Santander Totta, de onde saíram 110 trabalhadores em 2012, a intenção é que saiam mais 90 este ano."
segunda-feira, fevereiro 11
Portugal finis terrae, Pedro Rosa Mendes
Segui a sugestão de Rentes de Carvalho e de Rui Ângelo Araújo: um texto de Pedro Rosa Mendes para reflectir.
"...tinha uma tripla fé: 1. em si próprio como Fúhrer infalível; 2. em Deus como leal confessor do poder; 3. e na miséria como ermida natural da virtude."
domingo, fevereiro 10
O Mentor
Filme complexo, obscuro, desagradável, por vezes. Filme que se completa posteriormente com informação adicional (necessidade que o fragiliza) e que ligará tantas pontas soltas - e será também por isso que o filme de Paul Thomas Anderson não sai da cabeça facilmente. Dois fantásticos actores: Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman.
terça-feira, fevereiro 5
sábado, fevereiro 2
10 entre 70
Em entrevista à RTPi, há um mês sensivelmente, Eduardo Souto Moura reconhecia, entusiasmado, a grande qualidade dos novos arquitectos portugueses e, ingenuamente, estranhava não terem qualquer visibilidade no nosso país.
Tudo isto é, evidentemente, o reflexo do investimento continuado na educação e, desde há muitos anos, fruto da procura massiva dos cursos de arquitectura. As médias de acesso às faculdades de arquitectura situam-se desde há muito tempo num patamar elevadíssimo. Para lá de uma enorme capacidade de trabalho que estes alunos demonstram, este reconhecimento é também consequência de uma formação plural e multifacetada, num certo ideal renascentista - de que nada, absolutamente nada, devemos ignorar. Não estranho, por isso, os resultados atingidos nem as palavras do nosso arquitecto laureado. Numa altura em que a aposta ministerial se centra exclusivamente no ler, escrever e contar, recordo o aviso de Baltasar Castiglione (1528) na educação ideal de qualquer indivíduo: "Há ainda um aspecto que julgo de grande importância: trata-se da arte do Desenho...".
Uma nota: a Faculdade de Arquitectura do Porto distingue-se e é uma referência a nível mundial porque leva à letra as palavras deste homem do renascimento.
domingo, janeiro 27
No meu tempo ...
Há um sentimento
generalizado que se sente em todas as conversas de vivermos um tempo de uma
inusitada violência, de uma perda de sensibilidade moral, de decadência dos
códigos sociais e a viva impressão de que tudo se desmorona. Até os jovens
fazem sistematicamente comparações com um tempo “paradisíaco” de que ouviram
insistentemente falar. “No meu tempo…” é
a expressão mais vulgar que inicia um guião com um final feliz.
Que tempo é este
de que tanto falamos? Com que recordações sustentamos este passado?
Recordo Vidago
nos finais dos anos sessenta: relembro os intermináveis
jogos de futebol em que a primeira coisa que muitos dos meus amigos faziam era
descalçarem os socos ou as botas e jogarmos, sem restrições, aquelas partidas
magníficas, ou os jogos entre equipas rivais da distrital marcados
pelas bengaladas ao ritmo dos golos e do copo do tinto, salpicados pelos gritos
histéricos das mulheres; ao meu pai, ouvi contar os finais trágicos das “Chegas
de bois barrosãs”, ou os terríveis ajustes de contas por “questões de água”;
recordo, também, a alegria e o reconhecimento com que, por altura do Natal, os
empregados da Empresa das Águas falavam do peixinho de bacalhau dado pelos patrões e também dos protestos de alguns amigos pelos inúmeros cântaros de água que tinham
que carregar para as necessidades da casa; vem-me à memória os penosos
regressos a casa daqueles, e eram muitos, que diariamente acabavam o dia na
taberna da Tia Florinda e desafiavam a brancura cortante das geadas
transmontanas; no verão, o ribeiro era a felicidade de todos, porque a piscina
do hotel estava reservada aos que podiam ficar em dívida com a Menina Alicinha,
a quem tiravam o chapéu respeitosamente - “respeito”, que se confundia quase
sempre com submissão; com grande saudade, recordo o Parque de Vidago com os
milhares de árvores que conhecíamos tão bem - o nosso mundo de aventuras;
“Mundo de Aventuras” era, também, a nossa revista de quadradinhos que se desfazia de mão
em mão e me punha lado a lado com os meus heróis – o Major Alvega, o Ene 3 e o
rapidíssimo Kit Karson; recordo, ainda, com um “estranho” sorriso, as
monstruosas contas de dividir que tornavam a escola num inferno, e, como poderia esquecer, o
Ilídio que resistiu heroicamente a trinta e cinco reguadas pelos trinta e cinco
erros, sem verter uma lágrima!
Eram tempos muito
difíceis e todas as estatísticas sócio-económicas o confirmam.
Seriam tempos
mais humanos?, mais justos?, mais solidários? Penso que não. Penso que o nosso
passado é uma imagem filtrada pelos olhos da criança que fomos. Provavelmente apontamos o futuro com um passado reconstruído à imagem dos nossos sonhos. Há
uma frase de Maurice Merleau-Ponty que diz: ”Nunca me recomporei da minha
incomparável infância”. Comigo é um pouco o mesmo.
segunda-feira, janeiro 21
O discurso do Presidente Obama
Na tradição americana, a tomada de posse de um presidente transformou-se também num espectáculo. Depurado e de bom
gosto, é certo: bandeirinhas tricolores nas mãos de milhares de americanos, o Capitólio como
fundo, o poder da palavra. Tudo começou pelo princípio. E o princípio é, num país civilizado, jurar preservar, proteger e
defender a Constituição. E depois um discurso todo construído na primeira pessoa do plural – nós,
o povo americano. O discurso do presidente americano foi claro, convincente, brilhante. A retórica de Obama, emotiva e num aparente improviso, mostrou que valores como liberdade, democracia e solidariedade não perderam validade e continuam a ser a única saída possível.
Sorte a deles, e a nossa também.
sábado, janeiro 19
As Idades do Mar, na Fundação
Também na Gulbenkian, ilustrações de bom gosto para Um chá para Alice.
quinta-feira, janeiro 17
Eusébio Macário
Adicionar ao cesto é uma tentação, é fácil, os descontos são
maiores e os portes gratuitos. Pagar com o cartão de crédito torna o valor
perigosamente simbólico. O tempo estimado de entrega suportar-se-ia não fosse a fnac falhar todos os prazos previstos.
A espera fez-me saltar de livro em livro até esta dedicatória:
“Minha querida amiga
Perguntaste-me se um velho escritor de antigas novelas
poderia escrever, segundo os processos novos, um romance com todos os “tiques”
do estilo realista. Respondi temerariamente que sim, e tu apostaste que não.
Venho depositar no teu regaço o romance, e na tua mão o beijo da aposta que
perdi.”
Camilo Castelo Branco
“- Bebo à saúde do gentil fruto do inteligente e assaz
conhecido farmacêutico, o senhor Eusébio Macário, meu amigo e senhor. Eu já
sabia por experiência de enfermo, que o benemérito filho de Hipócrates
manipulava no seu laboratório remédios eficazes para dores; mas agora acabo de
ver e saber que também os sabe manipular para refrigério de amores. O deus
Esculápio abraça-se com Cupido. Eu faço votos por que o nosso ilustre amigo, o
senhor comendador Bento José Pereira Montalegre, não gaste da botica do senhor
Eusébio Macário senão a linda filha, a droga mais doce, mais balsâmica que ele
produziu, para a qual vejo que todos olham com inveja, excepto aquele a quem
tenho a honra de saudar, o ilustríssimo comendador Montalegre, unindo-o no
brinde àquela que já está pelo coração, a esbelta Custodinha!”
domingo, janeiro 13
sexta-feira, janeiro 11
Quem nos escolheu para cobaias?
segunda-feira, janeiro 7
domingo, janeiro 6
Fui a Alvalade
À minha frente, pai e dois filhos adolescentes, gémeos, um
de cada lado numa simetria perfeita. O da esquerda jogou futebol todo o tempo no
seu smartphone; o da direita, de smartphone também, procurou
incessantemente algo que o distraísse; ao meio, o pai, alto, tal como os filhos,
cabelo cuidado, camisa engomada de colarinhos rijos apertados por uma gravata a
condizer, sobretudo comprido de corte clássico - esteve frio em Alvalade. Durante
todo o tempo mantiveram a posição correcta na cadeira, costas bem apoiadas e
pés bem assentes no chão. Se os rapazes tinham os cachecóis enrolados ao
pescoço, o do pai esteve sempre nas mãos. Em movimentos quase imperceptíveis e durante todo o jogo aquelas mãos não pararam
de dobrar, puxar, torcer, enrolar, amarrotar, esmagar aquele cachecol verde
desfiado.
sexta-feira, janeiro 4
Mel
"Chamo-me Serena Frome (rima com plume) e há quase quarenta anos fui enviada numa missão secreta para os serviços segurança britânicos. Não regressei incólume. Dezoito meses depois de ingressar fui despedida, tendo caído em desgraça e destruído o meu amante, embora não reste dúvida de que ele teve um papel activo na sua ruína."
terça-feira, janeiro 1
Calendários
No dia 31 de cada Dezembro os votos de bom ano sucedem-se, os desejos e promessas de um ano melhor são um ritual. Com a idade, tornamo-nos mais cépticos e repetimos sem convicção hábitos antigos. Mas o que realmente se altera na passagem deste dia para o primeiro de Janeiro, para lá dos novos aumentos que o início do ano estupidamente legitima, é o calendário. Gosto de calendários. Gosto de um calendário graficamente bem feito. Gosto da efemeridade mensal das imagens. Gosto dos 365 dias à distância da minha mão e gosto da implícita inevitabilidade de os viver.
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