terça-feira, junho 23

Os rapazes de Rui Jorge


Há qualquer coisa estranha nos rapazes de Rui Jorge. Não fossem as camisolas das quinas e alguns rostos familiares e não seria fácil identificá-los. É certo que o toque na bola denuncia-os um pouco, aproxima-os da europa meridional, mas a confiança e a serenidade de jogadores e do corpo técnico afasta-os definitivamente para outras latitudes e para outros desportos - para o rugby, por exemplo. Não sei caracterizá-los de outra forma: é gente bem-educada. Sem altruísmo não pactuam com a simulação, com o embuste, não se enredam em simulações de faltas inexistentes, não se vislumbram tiques de fidalgos da bola. Não perdem tempo nas substituições nem na reposição da bola em jogo nem nos habituais e inconsequentes protestos com o árbitro.
Esta equipa de Rui Jorge parte de premissas de que são feitas as grandes equipas: divertem-se coletivamente com o que fazem, e jogam sabendo que a probabilidade de saírem vitoriosas aumenta com o tempo efetivo de jogo.

segunda-feira, junho 15

Ti Elias Mão-de-Ferro, personagem fabulosa da Terra Chã.



«Lá em cima, as mulheres gritaram, através das janelas, sem saber já se o faziam em proteção de uns ou de outros.
No momento em que espreitou pelo postigo, com a espingarda na mão, o rapaz percebeu que o pai se encontrava já em cima de um cavalo, com as mãos atadas atrás das costas e a corda à volta da cabeça, três dos homens de capuz segurando o animal e invectivando-o com insultos e ameaças. E, ao vê-lo, gritou, ergueu a arma, muito atabalhoado, e disparou numa direcção indefinida.
O cavalo foi o primeiro a reagir, erguendo as patas da frente e partindo a galope quinta acima. Os encapuzados desataram a correr, muito atarantados, como se disso dependessem as suas próprias vidas. Álvaro Augusto Silveira-Goulart, esse, ficou pendurado pelo pescoço, a sacudir-se num estertor, e depois apenas a balançar-se ao sabor do vento e da gravidade, já inerte, com um estranho sorriso na boca.
Elias puxou uma fumaça do seu cigarro grosseiro, agora já reduzido a uma ponta apenas. Bateu a cinza no cinzeiro.
- Um desses homens era João de Brito Carreiro, empregado da casa.
José Artur cruzou os braços, num tom de desafio.
- Outro era o Ti Elias.
O velho fitou-o de volta. Fez um gesto com a cabeça.
- E o outro era o teu avô José Guilherme.»
 Arquipélago, Joel Neto

domingo, junho 7

A Paixão de Jesus


Não falemos dos escandalosos dinheiros que auferem as vedetas da bola, porque neste caso o dinheiro não foi determinante - mais milhão menos milhão em tantos milhões. Mas sim do tão propalado e tão em desuso amor à camisola: Jesus sabe muito bem que trocou êxitos previsíveis por um futuro incerto e hipotecou uma carreira internacional a troco de uma paixão que lhe poderá trazer imensos dissabores. Neste ambiente medíocre e de guerra instalado, um acto como este requer muita coragem e muita confiança em si próprio. Mas não é isso que se exige a um Homem?