sexta-feira, março 22

Mestres do nonsense

Daumier

Se Samuel Becket conhecesse esta gente que nos representa, talvez a sua ficção tomasse outro rumo. Dificilmente a sua imaginação ultrapassaria os protagonistas desta longa peça a que assistimos. "Eles não se movem". A inacção e o jogo do empurra a que assistimos sobre o limite dos mandatos autárquicos são tão absurdos que a não resolução atempada deste falso problema seria suficiente para dissolver a Assembleia da República e, em consequência, o pedido de demissão do timoneiro da barca.


quinta-feira, março 21

Janela Indiscreta


Há sensivelmente 30 anos, na Cinemateca, num ciclo de cinema sobre Alfred Hitchcock, coloquei Janela Indiscreta no top dos meus filmes preferidos. Ontem, a convite da minha filha Inês, voltei à Cinemateca para o rever. Rever tanto tempo depois faz com que a ansiedade e a dúvida se instalem: terá resistido à erosão do tempo? A dúvida dissipou-se no primeiro travelling. Começa num gato a subir umas escadas nas traseiras do prédio onde se centram  todos os pólos de atracção, e onde todo o mundo cabe, até à janela aberta onde um James Stewart imóvel, de perna engessada, se encontra. Será o voyeur que nos conduzirá ao ritmo e imaginação de Hitchcock. As interpretações pareceram-me, agora, banais, já os diálogos mantêm o bom gosto, a inteligência e frescura de sempre.

terça-feira, março 19

Faz hoje 80 anos

Philip Roth por Joe Ciardello

A América comemora. Das 30 personalidades das letras americanas ouvidas, 77% acham que Philip Roth é o melhor escritor vivo americano. Eu não sei se é, porque só conheço bem a obra dele, mas votaria também nele pelo prazer que me tem proporcionado livro após livro.

De Engano, (D.Quixote), o último publicado em portugal:
"Para ti, o ideal é quando essas mulheres com emoção não conseguem sequer contar a sua história, antes lutam por conhecer a sua história. É nisso que tu encontras o erotismo. E o exotismo. Cada mulher uma foda, cada foda uma Xerasade. Não foram capazes de ter acesso à sua verdadeira história, e há no facto de a contarem uma espécie de compulsão para completar a vida... e isso tem muito de phatos. Claro que é excitante; o simples fluir do som que elas produzem, a intimidade da conversa, para ti são excitantes. O excitante não está necessariamente nas histórias em si, mas na necessidade que elas têm de as produzir . A matéria bruta, inarticulada, o que está simplesmente latente, é a realidade, nisso tens razão. a vida antes de sobrevir a narrativa é a vida. Elas tentam preencher por palavras próprias o fosso enorme que separo o ato em si da sua transformação em história. E tu ouves com atenção e apressas-te a registar por escrito o que ouves e depois estraga-lo com a tua maldita mania de transformar tudo em ficção."

quarta-feira, março 6

Correcções, um poderoso romance



Joe Ciardiello
"Era pateticamente óbvio que acreditava que os seus livros lhe renderiam centenas de dólares. Virou as costas às suas reprovadoras lombadas, lembrando-se de como cada um daqueles livros o chamar, numa livraria, com a promessa de uma crítica radical da recente sociedade capitalista, e de como se sentia feliz por levá-los para casa. Mas Jurgen Habermas não tinha as pernas compridas, frescas e em forma de pereira de Julia; Theodor Adorno não tinha o cheiro racimoso de flexibilidade lasciva de Julia, e Fred Jameson não tinha a língua ardilosa de Julia." 
Jonathan Franzen, Correcções