Mas é com o campo que o verdadeiro desafio se faz, qualquer
jogador de golfe sabe isso.
Experimentem jogar em Vidago, no outono - a verdadeira
essência da natureza, de uma natureza que se apresenta como
emanação de um deus. Mas não se deixem iludir: toda aquela beleza, aparentemente espontânea, não passa de
um logro. Por debaixo de toda aquela harmonia está o dedo perverso de
um deus qualquer medieval - exigente, inclemente, quase sempre devastador,
raras vezes acolhedor. Quem o desenhou fê-lo para nos seduzir e depois, creio
cada vez mais, para nos corromper e para nos vexar.
Coloquemo-nos de um ponto de vista exterior, nos olhos do
criador. Desçamos o monte íngreme de terra pobre e agreste, feito de fragas e
penedos de granito, coberto de giesta, urze, rosmaninho, estevas, tojos,
pinheiros, carrascos e cedros, e quando o monte descansa a paleta de cores
altera-se radicalmente, incendeia-se: os verdes sem estação da montanha dão lugar
a um vale de paleta rica em tons flamejantes açucarados. E a escala de tudo aquilo! Se quisermos registar na nossa
memória todo esplendor de cor, de texturas e luz, a altura e robustez dos
plátanos e dos cedros, os áceres, os belíssimos tons amarelos dos castanheiros-da-índia,
os amarelos, laranjas, vermelhos e castanhos dos frondosos carvalhos-americanos,
os bordos nas terras ricas com o seu luminoso amarelo-ouro com notas
avermelhadas, os longilíneos e trémulos choupos-negros com o seu amarelo-ocre, os
freixos, amieiros e salgueiros que ladeiam o ribeiro que percorre todo o vale,
a perfeição das tílias, a desmesura da sequoia-vermelha - que viverá por mil anos,
o chão juncado de folhas que apertam o relvado, reduziremos o homem a uma infinita e insignificante pequenez.
E como se tudo isso não bastasse, o que nos toca mais no meio
daquilo tudo é o silêncio. O silêncio absoluto. E a dimensão do absoluto
mede-se paradoxalmente pela nitidez dos trinados dos rouxinóis, pelo canto limpo e repetido
dos tordos, pelo restolhar dos melros nas folhas secas. E é esse silêncio que
nos comove, e é esse silêncio que nos coloca num lugar indeterminado, num vazio
inquietante difícil de detalhar e de compreender.
Perante esta explosão simultânea de violência e de tranquilidade, o que fazem os jogadores de golfe?
Cegos, perseguem uma bola.
Belo texto. até parece que estamos lá ... ou cá.
ResponderEliminarAqui é igual.
Numa tentativa (vã) de preencher o "vazio inquietante difícil de detalhar" eu apanho flores.
Ou melhor, apanhava, pois as carraças não me dão tréguas :)
Beijos e obrigada pelos Belos textos que por aqui vamos lendo.
Alice R.
Obrigado, Alice
EliminarJá percebo porque não visitas mais vezes este enclave paradisíaco que faz inveja a qualquer estância das Caraíbas: não te queres comover... eh, eh, eh... no entanto inspira-te!
ResponderEliminarQuanto aos jogadores de golfe que apenas perseguem a bola, uma ressalva: quase todos. Para mim, o deslumbramento e encanto que nos proporciona a paisagem vista em qualquer época do ano, também fazem parte das regras da modalidade.
Um amante de golfe e da natureza
José M. Carvalho
Só quem possui uma musa inspiradora escreve desta maneira. Parabéns pelo texto e parabéns à musa!
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