Dificilmente me seguirão. Ninguém suporta conversas sobre
golfe e golfistas. Como se isso não bastasse, vou usar termos específicos da
modalidade que, provavelmente, nada vos dirão. Mas também não dizem muito.
Quando o itálico enviesar a palavra não liguem e pensem que tudo se resume a se
bateu ou não bateu na bola. Passem à frente. Evitarei juntar aos anglicismos os palavrões que os precedem ou que lhes sucedem. São estes que classificam com
acuidade a qualidade da pancada. Não há só dois tipos de pancadas, tal como
sugeri, mas uma infinidade delas e, por estranho que vos pareça, as perfeitas são
raras, dificilmente as vemos. Melhor, ouvimos, porque o som do contacto com a
bola é o primeiro sinal, e o mais fiável, para atestar a qualidade do bom shot. O som não engana. O contacto perfeito provoca no jogador uma sensação única de plenitude e no adversário a exclamação genuína de reconhecimento ou, por vezes, o elogio forçado, a
dissimulação, o silêncio invejoso. Estranha estas palavras quem pensa que o golf (repararam no itálico e a perda do é)
é um desporto cortês de uma elite aristocrática de sapatos de franja brancos
e calças aos quadrados seguidos por rapazinhos enfezados que carregam sacos
enormes cheios de ferros de todos os feitios e incapaz de tais sentimentos
mesquinhos. Afastem essa ideia. Esse mundo, se existiu, acabou há muito. A
roupa e os acessórios exclusivos foram substituídos pelas plebeias nike e adidas que tornaram o golfe num circo de cores que só tem paralelo
no jogging de domingo à beira-mar; pensam,
ainda assim, que os grupos de afortunados que se passeiam nos greens a falar de negócios e a matar o tempo
que lhes sobra são alheios à competição; acham, seguramente, que não
encontram ao longo das quatro horas do percurso um gesto que os comprometa, uma
palavra que os vulgarize, uma atitude que os denuncie. Nada disso, simples
mortais. Batem-se tenazmente. São capazes de tudo: das desculpas mais torpes, dos palavrões mais
rascas, dos olhares mais inquisitivos, das atitudes mais vis. Se lerem as
regras que regulam este longevo desporto e a minúcia das situações que prevê,
percebem que a tentação para contornar as normas está latente neste jogo do
demo. Fazem tudo por um bom cartão.
Mas há os que o interpretam
como um jogo para Homens. Impolutos. Um jogo de deuses. Uma luta inglória e sem
fim contra nós próprios e contra o campo. E aí não há lugar para a trapaça. Só
há lugar para a desilusão, para o silêncio, para o abanar de cabeça, para o
palavrão surdo. E também para a catarse.
Claro que não há os bons e os
vilãos. Uns e outros. Os jogadores são uns e outros. Mas todos têm duas
características em comum, não estranhem: a perseverança e a humildade –
conservam-se firmes, não desistem e são, também, os primeiros a reconhecerem as suas limitações, os seus defeitos,
as suas incapacidades. E isso é, bem sabem, difícil de aceitar e, sobretudo,
admitir perante os outros - e é aqui que surge o embuste, a
simulação, a vaidade.
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