segunda-feira, julho 27

O Homem Lento, J. M. Coetzee



Não gostei deste "O Homem Lento", de J. M. Coetzee, mas alguns dias após a sua leitura o fotógrafo Paul Rayment, personagem deste Coetzee, não pára de me incomodar.

"Fala de amor. Não pode ter a certeza, não tem óculos postos, mas dir-se-ia que um rubor vai subindo lentamente pelo pescoço de Marijana acima. Marijana diz que quer que ele se refreie, mas isso é um disparate, ela não pode querer mesmo dizer isso. Qual a mulher que não quereria uma torrente de palavras de amor derramada de vez em quando sobre ela, por mais questionável que seja a sua origem? Marijana está a corar, e pela simples razão de que também ela é lábil. E portanto? O que vem a seguir? Portanto, de facto tudo é coerente! Portanto, por detrás do caos da aparência funciona de facto uma lógica divina! Wayne vem do nada para lhe deixar a perna feita em papa, portanto meses depois ele cai no chuveiro, portanto esta cena torna-se possível: um homem de sessenta anos imobilizado mais ou menos rígido na cama, a tremer intermitentemente, a declamar filosofia à sua enfermeira, a declamar amor. E o sangue agita-se nela, reagindo!"                      
                                                                                                           

segunda-feira, julho 6

O horrível tornado belo. A Senda Estreita para o Norte Profundo, de Richard Flanagan


Excerto de uma entrevista a uma revista brasileira: “Uma das melhores coisas na cultura japonesa é a literatura e, nela, Matsuo Basho. Queria usar o que há de melhor na cultura japonesa para falar do que houve de mais baixo e que esteve naquela guerra imperial em que foram cometidos crimes hediondos. Quanto melhor eu usasse essa relação mais seriam as hipóteses de ter um bom livro, que não julgasse. Queria olhar para aqueles homens. Pensei que se pudesse ter um história de amor no centro de um livro sobre um prisioneiro de guerra que achou ter perdido o amor da sua vida teria o necessário para que a romance funcionasse”, conta Flanagan, explicando também o título, réplica de uma frase de Basho, o poeta que dois responsáveis pelo exército imperial japonês citam nos intervalos do horror que promovem. Basho, dizem eles no romance, é um dos exemplos do “dom supremo do Japão”, o dom de “retratar tão concisa e maravilhosamente a vida”. Na interpretação daqueles militares, no ano de 1943 esse dom materializa-se no “objectivo supremo”: a construção do caminho-de-ferro."