La Boucherie-1980, Eduardo Luiz
O Porco
Ali se impunha o resultado de meses de esforço, preocupações e canseiras. Sim, porque dificilmente se acredita que toda aquela carne rosada seja de animais criados por um qualquer sistema automático de aspersão de farinhas duvidosas e além disso os seus criadores só têm a lucrar com a autenticidade dos seus produtos. Aquelas beiças e focinhos ali perfilados, prontos para deliciarem ávidos e gulosos paladares, deliciaram-se eles também certamente com tudo o que de melhor a terra oferece a quem bem a trata. Aqueles chispes, agora ali preceituosamente dependurados em cacho e prontos para uma boa feijoada, pisaram e esgravataram muito estrume genuíno, fonte reciclável de novas colheitas e genuínos produtos. Aqueles rabos, agora hirtos e salgados, foram outrora roscas inquietas que terão espanado muitos quilos residuais de digestões feitas depois do prazer de refeições autênticas. Aquelas cabeças com olhos que agora fixam o vazio, mas que já olharam muitas vezes com afecto para quem lhes lançava a abóbora, o cereal e a batata. Cabeças com orelhas agora prontas para enriquecer o deleitoso cozido à portuguesa ou misturar com salsa e cebola, mas que já foram receptoras de carinhosos chamamentos de quem lhes proporcionava a existência: “chua…chua…”, “reco…reco…”, ao que o bicho respondia com uma reacção pavloviana: “ronc…ronc…”, sabendo instintivamente que o pote esteve mais uma vez ao lume para lhe amolecer o grão e o tubérculo que iriam satisfazer o seu inconsolável e voraz apetite.
E assim se podia discorrer demoradamente numa relação entre a riqueza das partes do bicho e os gestos, trabalhos e canseiras que estiveram na origem da sua criação. Não nos esquecendo das meigas palmadas infligidas nas espáduas e nos quadris que agora ali estão transformados em pás e presuntos; dos ternos e despretenciosos afagos no lombo que agora está ali feito em salpicões; das cócegas na barriga, qual saboroso toucinho entremeado; dos carinhosos beliscões em todos os pedacinhos que agora ali estão ensaquitados para compensar e agradecer todas estas laboriosas acções. E, apesar dos estridentes berros e grunhidos de sofrimento e stress emitidos no pior momento de todo este relacionamento, arrisco-me a imaginar todas aquelas bocas risonhas dependuradas a “dizer”: “ronc… ronc…” – como que a agradecer aos seus tratadores a regalada vida que estes lhes proporcionaram.
Desta forma adquire um maior significado e acepção a velha e popular expressão “ser rico como um porco”. Rico não só porque passou uma vida de “lord” mas também porque o seu conteúdo pode ser transformado em riqueza, necessária ao desenvolvimento desta região, aparentemente recôndita e inóspita, mas com potenciais evidenciados em certames organizados cada vez com maior rigor, empenho, motivação e exigências de qualidade e higiene que contribuem muito para o prestígio do acontecimento, dos promotores e dos participantes.
Porém, esses potenciais não são somente naturais como os de muitas regiões e países em que basta escavar ou furar o solo e subsolo para lhe sugar as entranhas cuja milionária rentabilização não carece da publicidade nem do esforço necessários à rentabilização dos recursos de regiões menos abençoadas. Para usufruir das qualidades camufladas destas paragens é necessário muito mais: trabalho, dedicação, perseverança, abnegação e muito esforço. E, só apelando a estas qualidades humanas tem sido possível manter e sustentar o essencial de um desenvolvimento socioeconómico que poderia aumentar devido às estruturas viárias que vão sendo criadas mas que paradoxal e ironicamente poderão ter um efeito perverso: em vez de servirem para trazer desenvolvimento poderá correr-se o risco de o escoar para onde já o há em excesso.
Que não seja só o porco e seus derivados a compensar e a agraciar os seus criadores e a servir de atracção para os milhares de bem-vindos visitantes. Além disso são necessários outros incentivos para ajudar a fixar a população. É necessária a rentabilização de recursos humanos comprovadamente existentes para serem usados no desenvolvimento desta região evitando que eles vão desenvolver outras regiões ou outros países. É necessária a confluência e o estímulo de interesses, esforços e capacidades para aumentar o poder e o bom funcionamento de sociedades, associações e empresas no sentido de atraírem massa humana, imprescindível ao combate contra a inexorável condenação que é o êxodo, o esvaziamento humano e a irreversível desertificação.
José Manuel Alves Carvalho
O Porco
Ali se impunha o resultado de meses de esforço, preocupações e canseiras. Sim, porque dificilmente se acredita que toda aquela carne rosada seja de animais criados por um qualquer sistema automático de aspersão de farinhas duvidosas e além disso os seus criadores só têm a lucrar com a autenticidade dos seus produtos. Aquelas beiças e focinhos ali perfilados, prontos para deliciarem ávidos e gulosos paladares, deliciaram-se eles também certamente com tudo o que de melhor a terra oferece a quem bem a trata. Aqueles chispes, agora ali preceituosamente dependurados em cacho e prontos para uma boa feijoada, pisaram e esgravataram muito estrume genuíno, fonte reciclável de novas colheitas e genuínos produtos. Aqueles rabos, agora hirtos e salgados, foram outrora roscas inquietas que terão espanado muitos quilos residuais de digestões feitas depois do prazer de refeições autênticas. Aquelas cabeças com olhos que agora fixam o vazio, mas que já olharam muitas vezes com afecto para quem lhes lançava a abóbora, o cereal e a batata. Cabeças com orelhas agora prontas para enriquecer o deleitoso cozido à portuguesa ou misturar com salsa e cebola, mas que já foram receptoras de carinhosos chamamentos de quem lhes proporcionava a existência: “chua…chua…”, “reco…reco…”, ao que o bicho respondia com uma reacção pavloviana: “ronc…ronc…”, sabendo instintivamente que o pote esteve mais uma vez ao lume para lhe amolecer o grão e o tubérculo que iriam satisfazer o seu inconsolável e voraz apetite.
E assim se podia discorrer demoradamente numa relação entre a riqueza das partes do bicho e os gestos, trabalhos e canseiras que estiveram na origem da sua criação. Não nos esquecendo das meigas palmadas infligidas nas espáduas e nos quadris que agora ali estão transformados em pás e presuntos; dos ternos e despretenciosos afagos no lombo que agora está ali feito em salpicões; das cócegas na barriga, qual saboroso toucinho entremeado; dos carinhosos beliscões em todos os pedacinhos que agora ali estão ensaquitados para compensar e agradecer todas estas laboriosas acções. E, apesar dos estridentes berros e grunhidos de sofrimento e stress emitidos no pior momento de todo este relacionamento, arrisco-me a imaginar todas aquelas bocas risonhas dependuradas a “dizer”: “ronc… ronc…” – como que a agradecer aos seus tratadores a regalada vida que estes lhes proporcionaram.
Desta forma adquire um maior significado e acepção a velha e popular expressão “ser rico como um porco”. Rico não só porque passou uma vida de “lord” mas também porque o seu conteúdo pode ser transformado em riqueza, necessária ao desenvolvimento desta região, aparentemente recôndita e inóspita, mas com potenciais evidenciados em certames organizados cada vez com maior rigor, empenho, motivação e exigências de qualidade e higiene que contribuem muito para o prestígio do acontecimento, dos promotores e dos participantes.
Porém, esses potenciais não são somente naturais como os de muitas regiões e países em que basta escavar ou furar o solo e subsolo para lhe sugar as entranhas cuja milionária rentabilização não carece da publicidade nem do esforço necessários à rentabilização dos recursos de regiões menos abençoadas. Para usufruir das qualidades camufladas destas paragens é necessário muito mais: trabalho, dedicação, perseverança, abnegação e muito esforço. E, só apelando a estas qualidades humanas tem sido possível manter e sustentar o essencial de um desenvolvimento socioeconómico que poderia aumentar devido às estruturas viárias que vão sendo criadas mas que paradoxal e ironicamente poderão ter um efeito perverso: em vez de servirem para trazer desenvolvimento poderá correr-se o risco de o escoar para onde já o há em excesso.
Que não seja só o porco e seus derivados a compensar e a agraciar os seus criadores e a servir de atracção para os milhares de bem-vindos visitantes. Além disso são necessários outros incentivos para ajudar a fixar a população. É necessária a rentabilização de recursos humanos comprovadamente existentes para serem usados no desenvolvimento desta região evitando que eles vão desenvolver outras regiões ou outros países. É necessária a confluência e o estímulo de interesses, esforços e capacidades para aumentar o poder e o bom funcionamento de sociedades, associações e empresas no sentido de atraírem massa humana, imprescindível ao combate contra a inexorável condenação que é o êxodo, o esvaziamento humano e a irreversível desertificação.
José Manuel Alves Carvalho
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