segunda-feira, dezembro 18
segunda-feira, novembro 20
domingo, novembro 5
Nelson Rodrigues, por Ruy Castro
Biografia aclamada por críticos e leitores. Uma referência para todos os biógrafos. Pontuações máximas. Uma grande expectativa que não saiu gorada. Já li algumas biografias, mas nunca alguma que se assemelhasse.
«Ninguém é exatamente velho aos 49 anos, mas Nelson
aparentava muito mais. Era lento de gestos, pesado, sedentário. Sua fala era
uma espécie de mugido arrastado, a ponto de pensarem que vivia bêbado – ele,
que nunca pusera uma gota de álcool na boca. Quando se empolgava, a voz ganhava
outra tonalidade e as sílabas quase se atropelavam, mas isso era raro, porque Nelson
parecia carregar uma tristeza perene. Quando se sentava para escrever, os
ombros caíam e ele, que não era baixo, encolhia. A visão dos suspensórios
também não ajudava. O que pareciam traços de beleza na juventude tinham sido
devastados pelos abalos da saúde e pelo seu estilo de vida – o rosto magro e
bem desenhado lembrava agora um buldogue. E Nelson era publicamente doente.
Todos sabiam que era que era tuberculoso e ele próprio encarregava-se de
promover sua úlcera como se ela fosse Maria Callas. Era cardíaco, precisava de
se cuidar. Tinha uma enxaqueca permanente, comum a toda a sua família. E sofria
também de hemorróidas.
Quando Lúcia revelou a história a suas amigas no Country e
nos lugares sofisticados que frequentavam, elas não acreditaram. Como podia
interessar-se por um homem tão mais velho, feio, doente, relaxado, certamente
cheio de manias e, para piorar, casado – por mais inteligente e fascinante que
fosse? O choque dos amigos de Nelson não foi menor.»
O Anjo Pornográfico, Ruy Castro
segunda-feira, outubro 16
A lição de Tiago Oliveira, engenheiro florestal
Na RTP3, entre as sete e as sete e vinte, vi e revi a
entrevista do engenheiro florestal, Tiago Oliveira. Num tom agastado, cansado
provavelmente de repetir ano após ano as mesmas coisas, advoga a única via
possível: adequar metodologias internacionais de prevenção e combate aos
incêndios, tratar da vegetação durante todo o ano, vigiar os espaços, educar a
população.
domingo, outubro 8
“La verdad nos haría libres, pero preferimos la mentira porque nos hará independientes”, F. Savater
Mais uma facadinha num Projecto Europeu tão fragilizado nos
últimos anos. Numa Europa que se pretendia sem muros e sem bandeiras, aparecem agora
estes movimentos, o Brexit e a Catalão, absolutamente anacrónicos e incompreensíveis.
Nesta questão catalã, alinho pela análise de Fernando Savater, no El País.
quarta-feira, agosto 9
quinta-feira, agosto 3
Entrevista com Souto Moura, no DN
Coloco-a aqui para ser mais fácil encontrá-la.
"Se ficar feio não se resolveu o problema. O que é feio não funciona. Um avião feio cai. Um barco feio não flutua. O bonito funciona sempre. A construção responde a umas funções. Se for agradável, se as pessoas se sentirem bem, se fornecer emoções, tem essa mais-valia: deixa de ser construção e passa a ser arquitetura."
quarta-feira, julho 19
Café Capri
Paulo, Mendes, Júlio Brás, Luis, Cardoso, Zé Luis
Eu, Barroso, Manel Capri, Tó, Júlio
Gosto muito desta fotografia. É de pequena dimensão, doze
por oito, e de uma definição surpreendente. Quarenta anos depois e os vários tons de cinzento ainda se
mantêm. O Café Capri com o equipamento alternativo do Vidago Futebol Clube.
O Capri era muito
mais do que um café. Três espaços bem definidos: o espaço central de muito bom gosto com uma estética dos anos sessenta; uma sala adjacente virada para o quintal da Dona Anita, ocupada por um bilhar livre, que lhe dava um tom diferenciador; e à frente, contígua à estrada nacional 2, a esplanada. E era a esplanada que
pelas noites longas e abafadas de verão tornava O Capri tão agradável. Um lugar de permanência quotidiana, um lugar de
passagem, um lugar de reencontros anuais. Era um local aberto e cosmopolita que
espelhava o temperamento dos proprietários: da Dona Cilinha recordo a enorme
tolerância de professora e a sua energia inesgotável, do Sr. Manuel, Manel
Capri, a juventude permanente, a imaginação sem freio e a vontade de fazer. Mas
o traço que melhor os caracterizava era o de gostarem de pessoas. E foi neste ambiente
que saiu esta equipa feita em cima do joelho para uma única partida para confraternizar
não sei o quê.
Tenho-a de novo à frente. Uma vez mais, percorro cada rosto um a um: reparem no Mendes (Jorge) de braços cruzados e olhar altivo, o primeiro defesa central moderno que vi. O tempo no jogo sobrava-lhe tal a clarividência que imprimia. Quem jogasse à sua frente rapidamente percebia que a bola sairia domesticada do seu brilhante jogo de cabeça. Também o Júlio Brás estava habituado a competir, nota-se na segurança com que nos olha. Era um exímio jogador de golfe, várias vezes campeão do clube. Arrastava atrás de si, em matchplays históricos contra jogadores de outros clubes, dezenas de pessoas pelo relvado do Campo de Golfe de Vidago. Metódico, persistente, com uma técnica apuradíssima, usava os mesmos princípios na sua função de ponta de lança – eficácia com o menor esforço. O Zé Luis e o Mário Barroso também eram handicaps baixos. Não me lembro de jogarem futebol, mas recordo claramente a tenacidade, a voz clara e assertiva do primeiro e a enorme gentileza do Barroso. Eu e o meu grande amigo Tó éramos os mais novos deste grupo. O Tó jogou a defesa direito tanto neste jogo como nos juniores do Vidago. Nunca foi outra coisa senão isso – direito, direto, justo. Ao lado dele, o Júlio. O Júlio, vejam bem, tinha uma Honda CB 200 vermelha naquele tempo de motorizadas. Tal como a mota, toda a sua anatomia estava preparada para a velocidade e para os recordes. Corria, saltava, lançava como ninguém. «Júlio, porque não vais ao Sporting?» Sorria com uma indiferença juvenil, como se o tempo não corresse também. Quanto ao guarda-redes, era óbvia a escolha: a baliza só podia estar ocupada por quem tinha estampa e, de todos os que frequentavam o Café Capri, o Paulo Veiga era o único que preenchia todos os requisitos: altura, voluntarismo e uma confiança transbordante. O meu irmão jogou à bola desde miúdo e jogava muito bem, mas dá-me ideia que sempre preferiu a autenticidade dos grandes jogos que só a infância permite. E, por fim, o Mário Cardoso. Tenho a certeza de que quem subia a ermida até ao pelado João Oliveira ia para ver a performance do Mário Cardoso. Valdano, jogador argentino do Real Madrid e em tempos colunista do El País, disse que o «futebol é engano: aparenta uma coisa para acabar fazendo outra». O Mário era o futebol. Criava futebol. Reparem na ansiedade que lhe trespassa o rosto como um ator antes de entrar em cena. Com o Mário em palco os adeptos vidaguenses, para lá de aplaudir e gritar, faziam uma coisa nunca vista: riam à gargalhada solta! O futebol do Cardoso era assim mesmo: teatral, tecnicamente perfeito, absolutamente desconcertante.
Tenho-a de novo à frente. Uma vez mais, percorro cada rosto um a um: reparem no Mendes (Jorge) de braços cruzados e olhar altivo, o primeiro defesa central moderno que vi. O tempo no jogo sobrava-lhe tal a clarividência que imprimia. Quem jogasse à sua frente rapidamente percebia que a bola sairia domesticada do seu brilhante jogo de cabeça. Também o Júlio Brás estava habituado a competir, nota-se na segurança com que nos olha. Era um exímio jogador de golfe, várias vezes campeão do clube. Arrastava atrás de si, em matchplays históricos contra jogadores de outros clubes, dezenas de pessoas pelo relvado do Campo de Golfe de Vidago. Metódico, persistente, com uma técnica apuradíssima, usava os mesmos princípios na sua função de ponta de lança – eficácia com o menor esforço. O Zé Luis e o Mário Barroso também eram handicaps baixos. Não me lembro de jogarem futebol, mas recordo claramente a tenacidade, a voz clara e assertiva do primeiro e a enorme gentileza do Barroso. Eu e o meu grande amigo Tó éramos os mais novos deste grupo. O Tó jogou a defesa direito tanto neste jogo como nos juniores do Vidago. Nunca foi outra coisa senão isso – direito, direto, justo. Ao lado dele, o Júlio. O Júlio, vejam bem, tinha uma Honda CB 200 vermelha naquele tempo de motorizadas. Tal como a mota, toda a sua anatomia estava preparada para a velocidade e para os recordes. Corria, saltava, lançava como ninguém. «Júlio, porque não vais ao Sporting?» Sorria com uma indiferença juvenil, como se o tempo não corresse também. Quanto ao guarda-redes, era óbvia a escolha: a baliza só podia estar ocupada por quem tinha estampa e, de todos os que frequentavam o Café Capri, o Paulo Veiga era o único que preenchia todos os requisitos: altura, voluntarismo e uma confiança transbordante. O meu irmão jogou à bola desde miúdo e jogava muito bem, mas dá-me ideia que sempre preferiu a autenticidade dos grandes jogos que só a infância permite. E, por fim, o Mário Cardoso. Tenho a certeza de que quem subia a ermida até ao pelado João Oliveira ia para ver a performance do Mário Cardoso. Valdano, jogador argentino do Real Madrid e em tempos colunista do El País, disse que o «futebol é engano: aparenta uma coisa para acabar fazendo outra». O Mário era o futebol. Criava futebol. Reparem na ansiedade que lhe trespassa o rosto como um ator antes de entrar em cena. Com o Mário em palco os adeptos vidaguenses, para lá de aplaudir e gritar, faziam uma coisa nunca vista: riam à gargalhada solta! O futebol do Cardoso era assim mesmo: teatral, tecnicamente perfeito, absolutamente desconcertante.
Ficava-nos bem o preto do Café Capri.
terça-feira, julho 11
Sílvia Pérez Cruz e Cástor Pérez - Veinte años
¿Qué te importa que te ame
Si tú no me quieres ya?
El amor que ya ha pasado
No se debe recordar
Fui la ilusión de tu vida
Un día lejano ya
Hoy represento al pasado
No me puedo conformar
Hoy represento al pasado
No me puedo conformar
Si las cosas que uno quiere
Se pudieran alcanzar
Tú me quisieras lo mismo
Que veinte años atrás
Con qué tristeza miramos
Un amor que se nos va
Es un pedazo del alma
Que se arranca sin piedad
Es un pedazo del alma
Que se arranca sin piedad
sábado, julho 8
Tancos, ao contrário de tantos…
... sinto-me agora mais seguro. Mais seguro por saber que o General Rovisco
Duarte continuará como chefe do Estado-Maior do Exército. Assumiu sem tibiezas uma
responsabilidade evidente, agiu com rapidez no apuramento das responsabilidades
operacionais, foi parco em palavras como o momento exigia.
segunda-feira, junho 19
Três bolinhos de bacalhau
Março, 1900
"E um dia, ao saber Camilo cético,
Camilo com noites de sombrio desespero, palpando a coronha do revólver, não foi
de propósito procura-lo para lhe pregar Deus?
Era numa dessas tardes de Seide,
de que o grande escritor fala nos Serões.
A natureza chorava revolvida: a acácia de Jorge batia-lhe devagarinho nos
vidros. Quem é que o chama? Atormentado de dores, ouve vozes, vê fantasmas, e
sai do horror com blasfémias e sarcasmos. Junqueiro encontra-o mergulhado na
dolorosa tinta do crepúsculo, com a pala com que escrevia sobre os olhos,
absorto, calado, desesperado, o rosto marcado de dedadas, «esboçado numa argila
cor de mel», segundo o retrato de Ricardo Jorge. Eu tinha-lhe medo… O poeta
tenta arranca-lo ao negrume, que o envolve: desenrola teorias, explicações,
argumentos; ataca-o a fundo, persuade-o talvez… Já o julga abalado e
convertido, quando dessa figura, só osso e dor, saem enfim estas palavras
irónicas:
- …Sim, sim, Junqueiro você
convencia-me se eu não tivesse ainda no estômago, desde o almoço, três bolinhos
de bacalhau, que me estão aqui como três Voltaires."
Raúl Brandão, Memórias, Quetzal
terça-feira, junho 13
Lamento Sertanejo
Há muitas interpretações desta composição de Dominguinhos / Gilberto Gil, mas nenhuma como este voluptuoso e lânguido lamento de Mayra Andrade.
Por ser de lá
Do sertão, lá do cerrado
Lá do interior do mato
Da caatinga do roçado.
Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigos
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade sem viver contrariado.
Por ser de lá
Na certa por isso mesmo
Não gosto de cama mole
Não sei comer sem torresmo.
Eu quase não falo
Eu quase não sei de nada
Sou como rês desgarrada
Nessa multidão boiada caminhando a esmo
terça-feira, junho 6
Três dias em Londres
É difícil descrever estes três dias em Londres. Fico-me apenas por sensações, observações condicionadas e, certamente, por generalizações precipitadas. Retive: do
arejado aeroporto de Heathrow ao claustrofóbico metro; a irreversibilidade de
uma enorme metrópole multiétnica e a beleza surpreendente de tantos, fruto de cruzamentos genéticos; os milhares de turistas chineses padronizados e a extravagância diferenciadora dos jovens londrinos; os bairros históricos com a sua vida tão peculiar, a contrastar com a gélida e
deselegante City de jovens de fato cinzento; o bulício caótico em larga escala e a certeza de um fim de tarde retemperador pelos pubs ou pelos parques; o enorme património histórico que lhes estrutura a civilidade; e no sábado terrorista, o regozijo com a vitória do Real de Ronaldo quebrado abruptamente pelo som dos helicópteros e das sirenes.
segunda-feira, maio 22
Do Museu Nacional de Arte Antiga à Gulbenkian
Foi uma surpresa ver o Museu Nacional de Arte Antiga cheio, apesar de saber que se comemorava o dia internacional dos museus e a entrada ser gratuita. Os salões perderam o silêncio habitual; a noite esteve quente, a fazer inveja aos melhores dias de verão, e uma ligeiríssima brisa desprendeu preguiçosamente milhares de flores dos jacarandás num jardim repleto de gentes de várias paragens; os alunos do Chapitô fizeram o que puderam.
Sempre achei que era nesta direção que os museus deveriam seguir:
um lugar de oferta multifacetada onde o património material ocupa um lugar de
relevo.
Recordo-me, quando aluno
de escultura das Belas Artes, de uma proposta para um projeto de um parque infantil para a Fundação Calouste Gulbenkian. Pretendia atingir esses objetivos e, sobretudo, criar hábitos às crianças mais novas tornando esses espaços familiares. Todas as peças do parque infantil teriam como ponto de partida a escultura de Henry Moore da Fundação e seriam pensadas e moldadas de acordo com as necessidades lúdicas e o espírito dos mais
pequenos. Em vão, não passou no crivo de um mestre a quem eu esqueci o nome. Já nessa altura, o cheiro bafiento que se instalara continuava a
impregnar a cabeça de muitos zeladores de um património esconso.
quarta-feira, maio 17
"Salvador tem uma voz relaxada, afinada e extraordinariamente musical", Caetano Veloso
Também gosto muito da canção dos irmãos Sobral, mas não concordo com a ideia subjacente a toda esta gritaria que sobrevaloriza a vitória no Festival da Eurovisão, como se este concurso escrutinasse o que de melhor se faz ao nível da música popular. Não, este festival é e sempre foi muito fraco. Estávamos todos de acordo, não estávamos?
Bom, bom, como o inteligente Salvador reconheceu, foi o elogio do mestre Caetano Veloso. Aqui, entrevista ao DN.
Bom, bom, como o inteligente Salvador reconheceu, foi o elogio do mestre Caetano Veloso. Aqui, entrevista ao DN.
sábado, maio 6
MNE corta exame que chumbava mulheres
segunda-feira, maio 1
Cícero, por Robert Harris
«A sua (Molon) teoria da Oratória era simples: não andar demasiado, manter a cabeça erguida, não se afastar do tema, fazê-los chorar, fazê-los rir e, uma vez conquistada a simpatia deles, sentar-se calmamente. - Nada seca com mais rapidez do que uma lágrima - dizia. Esta teoria estava mais de acordo com a maneira de ser de Cícero.»
Robert Harris, Imperium
segunda-feira, abril 24
Os turcos de Erdogan
André Carrilho
Retirei do DN:
. Na Turquia - vitória conseguida pelo presidente Recep Tayyip Erdogan - 51,18% votaram sim e 48,82% não;
. Na Alemanha vivem cerca de três milhões de turcos, votaram cerca de 650 mil, tendo o sim ganho com 63,07%.
. Depois da Alemanha, a França é o país preferido da imigração turca, estimando-se que sejam mais de 800 mil - votaram cerca de 140 mil, tendo o sim ganho com 64,85%dos votos.
Este referendo, para lá das questões formais da passagem de um sistema parlamentar para um sistema presidencial, foi sobretudo um sinal de apoio ou não às políticas seguidas por Erdogan. Só para recordar: Erdogan nos últimos tempos prendeu milhares de turcos da oposição, incitou ao ódio contra os europeus, reduziu drasticamente os valores de uma Turquia liberal (liberdade de expressão, liberdade de imprensa, liberdade de divergência e separação de poderes).
E foram os emigrantes turcos na europa a dar um apoio inequívoco a toda a política de Erdogan, e contrária aos valores das democracias europeias. Inquietante.
segunda-feira, abril 17
segunda-feira, abril 10
Largo do Olmo
O Luis, meu irmão, disse-me que só notara que Vidago tinha muitas árvores quando
partiu para terras do sul. Acontece com frequência sentirmos falta das coisas, mas de árvores? Há,
evidentemente, árvores por aqui, enormes, centenárias, mas não na dimensão,
densidade e diversidade de Vidago. Sintra, onde se refugia para fotografar,
talvez ultrapasse Vidago na mancha arbórea. A Câmara de Sintra e diversos grupos de defesa do património sabem muito bem o tesouro
que têm. Mais do que usufruírem de uma natureza preservada e diversificada,
vendem-na. Confessa, sempre que se fala do assunto, a mágoa ao ter constatado a
destruição dos carvalhos que ligavam umbilicalmente Vidago ao Parque do Palace.
Cortaram o que unia dois universos tão distintos a troco da ideia de
“requalificar a avenida”, como se fosse possível requalificar cortando cerce e
sem critério o que é impossível substituir de uma só vez – árvores adultas. Não sei quem impingiu
esta ideia, mas tenho a certeza que não se lembraria de tal quem nasceu por lá.
Também eu fui educado pela terra. Na rua, claro, como era
comum naquele tempo. E em Vidago a nossa rua era, para nossa felicidade, muito
mais do que isso: um espaço infinito e um mundo de aventuras marcado sobretudo
pelos parques, pelo campo de golfe e pelas avenidas cobertas de sombra. Desde
muito novos aprendemos a identificar as árvores e a chamá-las pelos nomes, como
se faz com as pessoas.
Começo, deixando a memória vaguear pelos finais dos anos sessenta, por
onde só podia começar: pelo centro mais antigo da vila – o Largo do Olmo. Há
melhor mote? Dar o nome de uma árvore ao núcleo da pequena Vila. O olmo desapareceu,
como quase todos os olmos na europa, mas a vontade em centrar o futuro à volta
das árvores manteve-se. Apesar das tentativas vãs em repor a espécie, acabaram,
anos mais tarde, por substituí-lo por um carvalho-americano. Bela alternativa. Recordo-me,
a propósito dos olmos, muito comuns na altura, o esforço do meu pai e amigos
frequentadores do Café Capri em combater o fungo para salvar um velho e
frondoso olmo à frente do café. E quem não se lembra também do gigantesco eucalipto
à frente do Grande Hotel a fazer lembrar o zimbório de uma catedral; ou do belo acer da meia-laranja que continua a equilibrar o espaço do elegante posto de
turismo; quem se esquece das três acácias da farmácia; do buxo que ultrapassava o muro alto do quintal do Sr.
Costa; dos contrastes lustrosos em pleno inverno das japoneiras escondidas
pelos muros do Dr. Canavarro; ou das amoreiras à frente da escola do Professor
Fraga que tingiam de açúcar a sua sombra e anunciavam o final do ano escolar;
ou dos enormes plátanos, olmos, pinheiros que acompanhavam a estrada nacional até
ao apeadeiro Salus, até Oura, até Loivos e até ao fim de tudo; e a magnífica
cobertura ogivada de plátanos da avenida que ligava a Estação de Caminho-de-ferro
ao Palace, muito antes das soluções do arquiteto Santiago Calatrava para a gare do oriente em Lisboa; ou do biombo
de árvores pujante que aconchegava e dignificava a ruína do Hotel do Golfe; e
os amieiros, freixos e salgueiros que apertavam e davam vida ao rio oura; e os
carvalhos americanos que se generalizaram por toda a vila e tudo uniam. (Como
ficava bem na heráldica de Vidago um simples carvalho-americano) E depois o campo
de golfe, meu deus! O relvado, as mil e uma espécies – do vulgar pinheiro à invulgar
sequoia, dos choupos às magnólias, das cuprésseas às tílias - e a paleta de
cores que proporcionam e marcam a passagem do tempo.
Não sei de quem é a ideia, mas faço-a também minha de
tanto a usar: “O ser vivo mais antigo de uma cidade que se preze deve sempre ser
uma árvore. A longevidade, beleza e estado dessa árvore diz-nos quase tudo
sobre essa cidade.”
domingo, abril 2
"Eu nasci milionário"
Mesmo para quem nada leu de John le Carré, como é o meu caso, vale bem a pena ler estas histórias da sua vida. Quanto mais não seja pelo Filho do Pai do Autor, um dos últimos capítulos:
«Demorei muito tempo a conseguir escrever sobre Ronnie, vigarista, fantasista, preso ocasional e meu pai.
(...) Aonde quer que Ronnie fosse, o imprevisível ia com ele. Estamos na mó de cima ou na de baixo? Podemos encher o depósito a fiado na estação de serviço da zona? Ele fugiu do país ou estacionará orgulhosamente o Bentley no caminho para casa esta noite? Ou esconde-lo-á no quintal, apagando as luzes da casa, verificando as portas e as janelas e falando em murmúrios ao telefone, se ele ainda não tiver sido desligado? Ou estará a desfrutar da segurança e do conforto de uma das suas esposas alternativas?
(...) Tensão? toda a vida de Ronnie foi passada a andar sobre a camada mais fina e escorregadia que se possa imaginar. (...) Encantava e persuadia com as suas fantasias, via-se um menino de ouro de Deus e deu cabo da vida de muitas pessoas.
Graham Green diz-nos que a infância é o saldo credor do escritor. Por essa medida, pelo menos, eu nasci milionário.»
O Túnel de Pombos, John Le Carré
domingo, março 12
domingo, março 5
O meu tio Zeca
Semana sim semana não, percorríamos 48 quilómetros para
visitar a família na aldeia de Constantim. O meu pai nasceu lá, mas toda a sua
infância e juventude passara-as por terras da raia à volta das saias da maestra Felisbela, minha avó. Por morte
prematura de um pai de outras terras, ficou exclusivo da família materna, gente
abastada - os Faceiras, e da aldeia que o mimou e tratou por Luizinho. Já a
minha mãe era a filha mais nova de uma família da terra que partiu para o Brasil
à procura de fortuna. Quando regressaram do Rio de Janeiro, logo após o
nascimento de minha mãe, trocaram os dinheiros poupados por casas e pelas
melhores terras da aldeia. Eram cinco os filhos: a Justina, a mais velha e por
quem a minha mãe tinha uma adoração especial, o João, dono da venda e do café da
terra, o Toninho, com táxi em Vila Real, o Zeca e a Lurdes, minha mãe, a mais
bela e formosa da terra, nascida em tempos de abundância familiar. Todos eles
casaram. Todos eles tiveram muitos filhos, o ti Zeca não.
As tardes de domingo eram passadas na casa e na venda do meu
tio João. Homem discreto e afável. A azáfama da venda e do café, o ritmo das
primas que subiam e desciam com tarefas bem definidas e a atenção afetuosa que
nos dedicavam tornavam estas tardes diferentes. Toda a aldeia rodava à volta da
venda do meu tio, que prestava todos os serviços. Aos domingos, os homens
ocupavam literalmente parte da estrada nacional à frente do café e por lá
gozavam a única tarde de ócio de que dispunham. Foi nesse percurso, já rapaz e
acompanhando minha mãe, que nos cruzámos com o tio Zeca. Abraço caloroso e
familiar entre os dois e hesitação e estupefação minha perante o desconhecido. Cumprimentei-o
perplexo e, enquanto conversavam, reparei nas feições familiares daquele rosto.
Um rosto que não me era completamente estranho. Desde aí, vi-o algumas vezes
mais. Sempre discreto, camuflado pelos homens da terra no café do seu irmão
João. Por vezes, apanhava-o a perscrutar-nos com um olhar de quem
procura pormenores do seu desenho genético nos rostos dos filhos da sua irmã
Lurdes; mais de uma vez, vi-o a pedir a bênção ao pai, David, meu avô; uma ou
outra vez, a cumprir o ritual na igreja onde era sacristão, diluído na exuberante talha
dourada do altar, absorto de tudo o resto e sempre com o mesmo semblante. Encontrei-o
também numa fotografia em casa do meu avô que tantas vezes vira e que não me
despertara a mínima curiosidade. E lá estava o ti Zeca ainda menino, vestido
como um adulto, quase imperceptível, apagado pelos irmãos mais velhos e pela frescura das
irmãs. Como conseguia este dom da invisibilidade? Quem era este homem tímido que
ouvia muito e falava tão pouco, que no meio da gente da terra se mostrava longe das conversas,
que demonstrava uma serenidade e uma bonomia constantes e que aparentava dar-se
bem com a solidão?
A minha mãe dizia que era uma jóia de rapaz e que sempre
fora assim - metido em si, ensimesmado. E era este ser assim que o afastava dos outros. Herdou o seu
quinhão na altura das partilhas e com ele governara-se. O seu
universo era a mulher, os campos, a igreja. Bastavam-lhe.Talvez tenha escolhido a obediência,
o silêncio e a humildade e se tenha afastado deliberadamente dos prazeres
mundanos. Este afastamento da família alargada resguardavam-no evidentemente das tensões
e das questiúnculas naturais de quem está próximo, dos favores, da
obrigatoriedade da retribuição, da formalidade da boa educação. Mas também o
afastava da cumplicidade, do carinho e do sentimento de pertença.
Talvez fosse deliberada a sua escolha de uma liberdade mais plena. Talvez, pelo seu feitio, tivesse sido empurrado naturalmente para ela. Provavelmente, esta maneira de ser livre é, quase sempre, estar só.
Talvez fosse deliberada a sua escolha de uma liberdade mais plena. Talvez, pelo seu feitio, tivesse sido empurrado naturalmente para ela. Provavelmente, esta maneira de ser livre é, quase sempre, estar só.
sexta-feira, março 3
ITMOI, pela Companhia Nacional de Bailado
domingo, fevereiro 5
Did Cristh laugh?
A leitura deste excerto do último livro do Ricardo Araújo Pereira, A doença, o sofrimento e a morte entram num bar, remeteu-me imediatamente para o momento chave do filme de Jean-Jacques Annaud, "O Nome da Rosa", a partir da obra de Umberto Eco: o memorável diálogo entre o franciscano William Baskerville e o bibliotecário Jorge sobre o poder maléfico do riso e da sua capacidade em subverter o medo. Como bem sabemos, sem medo não há reverência.
........
quinta-feira, janeiro 26
A Gorda, Isabela Figueiredo
Depois do surpreendente Caderno de Memórias Coloniais, Isabel Figueiredo publica este romance cru, de tons duros, entre os escuros e os claros, impiedoso e pujante.
« Sacolejando-me, procuro o lugar da ignição, vem coisa imaterial ao redor de mim, vem, e há um instante em que agarro essa névoa por um braço, perna, um farrapo, a agarro toda, a puxo com força, a seguro, tenho-a, prendo-a, e, mantendo-a, deixo-a rebentar no momento em que cruza inteira o tamanho do meu corpo, não sei em que direcção, vai, não sei quem sou, não pertenço a lugar algum, sexo e cérebro são uma esfera de luz-prata na qual nos suspendemos por segundos, não mais, cegos, só dor luminosa no lugar do nada…»
sexta-feira, janeiro 20
O que correu mal em Obama?
Também vou ter saudades de Obama. Saudades do humanismo e da tolerância. Saudades da modernidade e da elegância dos actos. Do seu sorriso largo. Saudade dos discursos espontâneos
e informais, das diferenças de timbre da sua voz, das alterações sistemáticas
de ritmo, das pausas prolongadas que nos permitiam refletir. A oratória como uma ciência das emoções. Também um mestre na gestão da imagem. Ninguém geriu tão bem a linguagem
corporal, os locais por onde andou ou por onde passeou, até mesmo a subtil e eficaz exploração dos espaços familiares e dos gestos mais íntimos. Se era difícil superar Bill Clinton, Barack Obama
conseguiu-o largamente.
Se do ponto de vista europeu e pelos dados revelados pelos
vários indicadores, a governação foi, apesar da maior crise económica mundial depois de 1929 e ao invés da Europa, um sucesso, há algo que não consigo compreender, porque contraria a história da tomada do poder dos partidários do populismo:
o que correu mal nestes anos de Obama para que o povo americano votasse numa mudança
tão radical e entregasse o mais alto cargo da nação ao sinistro Donald Trump?sexta-feira, janeiro 13
Plata o Plomo
A não perder a série da Netflix e acompanhar com a leitura do livro de Gabriel Garcia Márquez, Notícia de um Sequestro.
«Com a fortuna e a clandestinidade, Escobar ficou dono da situação e converteu-se numa lenda que dominava tudo a partir da sombra. Os seus comunicados de estilo exemplar e cautelas perfeitas chegaram a parecer-se tanto com a verdade que se confundiam com ela. No alto do seu esplendor ergueram-se altares com o seu retrato e puseram candelabros nas comunas de Medellin. Chegou a julgar-se que fazia milagres. Nenhum colombiano em toda a história tinha tido ou exercido um talento como o dele para condicionar a opinião pública. Nenhum outro teve maior poder de corrupção. A condição mais inquietante e devastadora da sua personalidade era que carecia completamente da indulgência para distinguir entre o bem e o mal.»
Notícia de um Sequestro, de Gabriel Garcia Marquez.
«A realidade saiu-lhe ao encontro quando viu abandonado à beira da estrada o cadáver de uma adolescente de uns quinze anos, com boa roupa de cores festivas e uma maquilhagem escabrosa.
- Está ali uma rapariga morta.
- Sim - disse o motorista sem olhar. - São as bonecas que andam nas festas com os amigos de Dom Pablo.»
Notícia de um Sequestro, de Gabriel Garcia Marquez.
segunda-feira, janeiro 2
No Porto para ver o velho e nobre casario ganhar vida ...
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