sábado, junho 4
Cartas de Vidago, Reencontros
A juventude é a fase da vida em que as vivências são mais intensas e as relações pessoais sofrem uma grande diversidade de níveis com altos e baixos, ensaios e experiências que se resolvem ou complicam de um instante para o outro. É quando se fazem as amizades que tanto se podem perpetuar como não passarem de efémeras relações que as circunstâncias propiciam. Umas ficam presas a confidências proibidas, outras a tropelias e aventuras desreguladas próprias da idade, outras ainda a ideias, princípios ou temperamentos próximos e unificadores. É o estádio em que as evidências do crescimento físico e psíquico mais evoluem, se transformam e se comparam, podendo constituir marcas indeléveis do crescimento e contribuir para a auto-estima do futuro adulto.
Foi esta panóplia de sensações e vivências que trouxe cerca de quatro dezenas de antigos colegas do então Liceu Nacional de Chaves, agora Escola Secundária Fernão de Magalhães, a reunirem-se à volta de um almoço comemorativo num restaurante dos arredores da cidade de Chaves. Quase todos frequentavam esta escola no quinto ano do antigo ensino liceal, no ano de 1974 com a histórica marca do Dia 25 de Abril. A partir deste ano, estes adolescentes começaram a divergir, devido a opções, rumos ou ritmos de vida inconciliáveis com a manutenção de um relacionamento regular. Uns conseguiram alimentar esse relacionamento, alguns cruzavam-se casual ou esporadicamente, outros deixaram de se ver na época em que a cor e a densidade dos cabelos podiam justificar a moda de então, e só se reencontraram mais de trinta anos depois já com a cobertura capilar rarefeita ou descolorida, mas ainda com as costas direitas e sem apêndices locomotores, aptos para fazer uma reconstituição das malandrices acrobáticas dos tempos passados.
Entre abraços, beijinhos e olhares apeladores da memória, os antigos estudantes foram-se entrosando e relembrando situações que os ligasse num episódio qualquer. Abeiraram-se das iguarias e tomaram o seu lugar no repasto. Depois das conversas apanharem o fio, desfilaram as narrativas dos inesquecíveis episódios académicos em que costumavam ser protagonistas alguns professores e alunos mais perspicazes ou mais rebeldes. Foi um verdadeiro reviver de tempos que não entraram no esquecimento. Tempos de uma geração de jovens que não podiam contar com as facilidades actuais como são as novas tecnologias ou a boleia diária até à entrada da escola. Em compensação, tiveram a oportunidade de brincar na rua, de se organizarem com autonomia para se entrosarem nos seus passatempos sem a necessidade da constante vigilância dos familiares. Cresceram sem serem constantemente mimados com a última geração de um gadget qualquer; sentiram as dificuldades e muitos tiveram que as vencer à sua custa sem apoios ou ajudas. E, por ironia, são eles que agora se vêem quase obrigados a proporcionar aos seus filhos as condições que nunca tiveram. São vicissitudes da evolução a que o ser humano tem a grande capacidade de se adaptar, resolvendo ressentimentos originados por aquelas situações mais difíceis.
Aquele grupo de cinquentões e cinquentonas com estas características comuns, e muitos outros que a diáspora não permitiu que ali estivessem, têm justificado o módico investimento que o país fez com eles. A época não era de vacas gordas e o ensino tinha que ser ao mesmo tempo massivo, eficaz e barato. Daí os métodos pedagógicos não serem muito sofisticados e alguns dos seus aplicadores não terem outro remédio senão cingir-se a instrumentos persuasores requeridos pela obrigatoriedade de ensinar depressa e bem ou improvisados a partir de qualquer caule lenhoso. As histórias e episódios à volta destes métodos passaram a fazer parte do património literário popular e não há conversa sobre a educação daqueles tempos que não inclua pitorescas, sórdidas ou ridicularizantes situações passadas nas salas de aula. Apesar de tudo, esta geração nunca foi apelidada de geração rasca, nem geração à rasca, pois teve a desenvoltura suficiente para se desenrascar, numa época em que a conjuntura conseguia absorver mais postos de trabalho. Alguns da geração actual mostram querer desenrascar-se, mas vieram encontrar quase tudo feito, num ritmo alucinante, pelas gerações anteriores. Estes e todos nós poderemos ficar à rasca dentro de mais alguns anos, só porque alguém está a instituir o rejuvenescimento por decreto, isto é, de repente todos nós temos que ficar mais novos por força da lei. Isso até daria muito jeito, mas era se acontecesse na realidade e não apenas nos decretos e diplomas que nos obrigarão a ser novos até aos setenta anos ou mais. Se os legisladores e decisores conseguirem transformar a natureza por decreto, estes convívios comemorativos poderão até fazer-se de 35 em 35 anos. Caso contrário, e é com isso que temos que contar, é melhor organizá-los com mais frequência, vislumbrando já, que no dia seguinte teremos que ter a algália preparada para meter na pasta ou no equipamento que levamos para o trabalho.
José Manuel Carvalho
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