quinta-feira, junho 30

Gregos

                                                                                                           Foto Jornal Sol
Se é verdade que há um excessivo poder do sector financeiro e dos mercados sobre o poder político (Xavier Vidal-Folch, El País), não está na altura de nos solidarizarmos com o povo grego?

terça-feira, junho 28

560

Josefa de Óbidos, natureza morta. Barros e cesto, queijo e cerejas.

Por questões ecológicas, Boaventura Sousa Santos sugere um limite de 1000 km para a importação de alimentos sem taxas extraordinárias. Não as havendo num mercado global, estabeleci a mim próprio, desde há muito tempo, os 560 como primeiro limite, seguindo em círculos concêntricos sempre com o centro em Portugal. A ideia é dar preferência a produtos autóctones, porque mais frescos, com maior maturação e, no fundo, mais amigos do ambiente.
Hoje, numa atitude emotiva e patriótica, o Sr. Presidente da República  apelou aos portugueses para comprarem produtos nacionais. Sem mais. Estranho paradoxo para um país que necessita encarecidamente de exportar. Ainda bem que ninguém nos ouve.

domingo, junho 26

Low Cost para o Primeiro Ministro?


Há uma certa unanimidade quanto à decisão de Pedro Passos Coelho viajar em classe económica - um pequeno gesto simbólico com pouco significado prático, mas importante para a moralização da coisa pública. Ingenuidade? Se não for, parece-me demagogia e não demorarão muito a ser ridicularizados. Acho, isso sim, que os nossos representantes eleitos merecem voar nos melhores lugares, dormir em bons hotéis, terem, em suma, o conforto necessário que lhes permita governar bem. Porque é na sequência dessas circunstâncias que as decisões são tomadas e de que todos dependemos.
O que está mal é a ostentação, o novo-riquismo, a utilização abusivo dos dinheiros públicos.

sábado, junho 25

Magnólias, sequoias, castanheiros ...



A Quinta da Regaleira está situada num lugar magnífico. A serra de Sintra envolve-a, dá-lhe continuidade. O jardim, exuberante, de desenho primitivista, um regalo. Quanto ao resto, à residência neomanuelina de Carvalho Monteiro, aos lugares imbuídos de mistério, de magia e simbolismo, não senti qualquer apelo romântico. Pena minha. Retive, no entanto, pormenores deliciosos em toda a propriedade e em particular nos relevos primorosos sobre a caça da sala de jantar.

sábado, junho 18

Festa do Campo

                                                                                             Foto Público
Gostei da ideia de levar o campo à Baixa de Lisboa. Não deve ter sido fácil. Apercebi-me que envolveu um rigoroso planeamento, meios sofisticados, um enorme esforço. A agricultura dos nossos dias envolve cada vez mais meios tecnológicos, conhecimentos científicos, engenharia genética, biodiversidade, etc. No entanto, a animação da Festa do Campo insiste na caricatura tradicional do agricultor português em sketches anacrónicos que fazem lembrar os romances deliciosos de Júlio Dinis. Da carroça aos ranchos folclóricos, do garrafão ao espantalho, a nossa televisão não ajuda a retratar nem a promover um mundo novo e sofisticado.

quarta-feira, junho 15

Adriano Moreira, Carvalho da Silva e Medeiros Ferreira

António Barreto e Medina Carreira têm um espaço e um tempo na comunicação social, e em particular na televisão, de fazer inveja. Arrasam toda a classe política, minam o regime democrático em monólogos argutos e destrutivos, colocando-se numa posição de superioridade moral que, com o decorrer do tempo, enjoa. Mas pior que isso é o tom em que o fazem. Sobranceiro e paternalista, roça a deselegância e a grosseria. Apelam às emoções com gráficos e números (vejam o paradoxo), diagnosticam vezes sem conta o estado exangue do país e nunca se disponibilizam ou apontam uma única ideia que não seja a dos portugueses (eles) atingirem o patamar moral onde se encontram.
Pelo contrário, gosto cada vez mais de ouvir Adriano Moreira, Carvalho da Silva e Medeiros Ferreira, entre outros. O discurso é sério, inteligente, fresco e nenhuma palavra é amaldiçoada, mesquinha, vulgar.

sexta-feira, junho 10

Síndrome de hubris


Em entrevista ao P2 do Público, David Owen sintetiza o Síndrome de hubris como algo muito comum aos lideres mundiais e a quem tem poder. O significado de hubris (palavra grega) pode ser, segundo ele, sinónimo de arrogância, desprezo, superioridade, excesso de confiança, autismo. O poder segrega-a. No artigo, a propósito do lançamento do livro Na Doença e no Poder, dá inúmeros exemplos de grandes líderes mundiais, como Churchill, Roosevelt, Tony Blair, Kennedy…, que tomaram importantes decisões influenciados não só pelo Síndrome de hubris, mas também pela doença de que alguns padeciam. Já no fim da entrevista, David Owen diz-nos que devemos estar sempre alerta em relação à hubris e diz que “esta tremenda crise que estamos a viver também resulta da personificação da hubris dos donos do sistema financeiro. E os políticos têm de ter mais coragem para confrontar os banqueiros. Têm de possuir pelo menos um pouco da bravura de Roosevelt, que enfrentou a crise de 1929, mudando as leis e confrontando-os. Ele disse aquela frase magnífica: Eles odeiam-me e eu adoro que eles me odeiem. Os políticos não podem gostar tanto de si próprios que achem que toda a gente tem de gostar deles. Não podem ter medo de fazer inimigos.

sábado, junho 4

Cartas de Vidago, Reencontros


A juventude é a fase da vida em que as vivências são mais intensas e as relações pessoais sofrem uma grande diversidade de níveis com altos e baixos, ensaios e experiências que se resolvem ou complicam de um instante para o outro. É quando se fazem as amizades que tanto se podem perpetuar como não passarem de efémeras relações que as circunstâncias propiciam. Umas ficam presas a confidências proibidas, outras a tropelias e aventuras desreguladas próprias da idade, outras ainda a ideias, princípios ou temperamentos próximos e unificadores. É o estádio em que as evidências do crescimento físico e psíquico mais evoluem, se transformam e se comparam, podendo constituir marcas indeléveis do crescimento e contribuir para a auto-estima do futuro adulto.
Foi esta panóplia de sensações e vivências que trouxe cerca de quatro dezenas de antigos colegas do então Liceu Nacional de Chaves, agora Escola Secundária Fernão de Magalhães, a reunirem-se à volta de um almoço comemorativo num restaurante dos arredores da cidade de Chaves. Quase todos frequentavam esta escola no quinto ano do antigo ensino liceal, no ano de 1974 com a histórica marca do Dia 25 de Abril. A partir deste ano, estes adolescentes começaram a divergir, devido a opções, rumos ou ritmos de vida inconciliáveis com a manutenção de um relacionamento regular. Uns conseguiram alimentar esse relacionamento, alguns cruzavam-se casual ou esporadicamente, outros deixaram de se ver na época em que a cor e a densidade dos cabelos podiam justificar a moda de então, e só se reencontraram mais de trinta anos depois já com a cobertura capilar rarefeita ou descolorida, mas ainda com as costas direitas e sem apêndices locomotores, aptos para fazer uma reconstituição das malandrices acrobáticas dos tempos passados.
Entre abraços, beijinhos e olhares apeladores da memória, os antigos estudantes foram-se entrosando e relembrando situações que os ligasse num episódio qualquer. Abeiraram-se das iguarias e tomaram o seu lugar no repasto. Depois das conversas apanharem o fio, desfilaram as narrativas dos inesquecíveis episódios académicos em que costumavam ser protagonistas alguns professores e alunos mais perspicazes ou mais rebeldes. Foi um verdadeiro reviver de tempos que não entraram no esquecimento. Tempos de uma geração de jovens que não podiam contar com as facilidades actuais como são as novas tecnologias ou a boleia diária até à entrada da escola. Em compensação, tiveram a oportunidade de brincar na rua, de se organizarem com autonomia para se entrosarem nos seus passatempos sem a necessidade da constante vigilância dos familiares. Cresceram sem serem constantemente mimados com a última geração de um gadget qualquer; sentiram as dificuldades e muitos tiveram que as vencer à sua custa sem apoios ou ajudas. E, por ironia, são eles que agora se vêem quase obrigados a proporcionar aos seus filhos as condições que nunca tiveram. São vicissitudes da evolução a que o ser humano tem a grande capacidade de se adaptar, resolvendo ressentimentos originados por aquelas situações mais difíceis.
Aquele grupo de cinquentões e cinquentonas com estas características comuns, e muitos outros que a diáspora não permitiu que ali estivessem, têm justificado o módico investimento que o país fez com eles. A época não era de vacas gordas e o ensino tinha que ser ao mesmo tempo massivo, eficaz e barato. Daí os métodos pedagógicos não serem muito sofisticados e alguns dos seus aplicadores não terem outro remédio senão cingir-se a instrumentos persuasores requeridos pela obrigatoriedade de ensinar depressa e bem ou improvisados a partir de qualquer caule lenhoso. As histórias e episódios à volta destes métodos passaram a fazer parte do património literário popular e não há conversa sobre a educação daqueles tempos que não inclua pitorescas, sórdidas ou ridicularizantes situações passadas nas salas de aula. Apesar de tudo, esta geração nunca foi apelidada de geração rasca, nem geração à rasca, pois teve a desenvoltura suficiente para se desenrascar, numa época em que a conjuntura conseguia absorver mais postos de trabalho. Alguns da geração actual mostram querer desenrascar-se, mas vieram encontrar quase tudo feito, num ritmo alucinante, pelas gerações anteriores. Estes e todos nós poderemos ficar à rasca dentro de mais alguns anos, só porque alguém está a instituir o rejuvenescimento por decreto, isto é, de repente todos nós temos que ficar mais novos por força da lei. Isso até daria muito jeito, mas era se acontecesse na realidade e não apenas nos decretos e diplomas que nos obrigarão a ser novos até aos setenta anos ou mais. Se os legisladores e decisores conseguirem transformar a natureza por decreto, estes convívios comemorativos poderão até fazer-se de 35 em 35 anos. Caso contrário, e é com isso que temos que contar, é melhor organizá-los com mais frequência, vislumbrando já, que no dia seguinte teremos que ter a algália preparada para meter na pasta ou no equipamento que levamos para o trabalho.
José Manuel Carvalho

quinta-feira, junho 2

A minha preferida

Andrea Mantegna, "A Corte de Mântua" (detalhe), 1471-74.
Com uma carta na mão, o Marquês despacha com o secretário. Ao lado, contra os joelhos da Marquesa apoia-se a filha pronta a trincar a maçã. Atrás, encontram-se alguns dos seus dez filhos de fatos bordados a ouro. Alguns bastardos. Usam meias altas com as cores da casa senhorial. Uma das ocupações preferidas de Ludovico Gonzaga, homem de espírito aberto, é a tarefa de saber redigir, ler e preservar manuscritos relativos à cidade de Mântua e da própria família. É neste contexto e nesta época, que Ludovico contrata Andrea Mantegna, “um pintor fora do comum como não se conhece outro”. Pintor de nome feito. E só assim se explica esta fabulosa e invulgar pintura, que capta a essência de cada um e de todo o clã num momento de grande descontracção familiar, e não na pose oficial a que estamos habituados. Ludovico de roupão e de pantufas, o cão ensonado e o primeiro plano dado ao secretário, marcam definitivamente esta obra pelo humanismo, pela atenção dada ao pormenor e pela mestria técnica. (Cliquem na imagem)