quarta-feira, novembro 4
sábado, setembro 19
Por Armamar
Saídos da autoestrada, os últimos 15 quilómetros até Armamar não se esgotaram facilmente. Serpentear por socalcos de vinhedos e pomares numa paisagem estonteante, e por uma estrada que se degradava cada vez mais, fizeram com que duvidássemos do caminho para Armamar.
Dobrado sobre a bengala, um homem gasto descia a rampa da casa.
- Boa tarde, vamos bem para Armamar?
Apoiou a mão nodosa na janela do carro aproximando o ouvido.
- ARMAMAR, vamos bem? - repetimos.
- Para Armamar? Os senhores não são de cá, pois não? Armamar é já aí, ao birar da curva, passam o biaduto e logo bêem … Olhem, benham beber um copo!
quarta-feira, setembro 9
quarta-feira, setembro 2
Por Praga e Viena
Penso que é isto que procuramos numa cidade: uma estrutura arquitectónica, urbanística e paisagística inovadora, que distinga os povos e que preserve uma vivência colectiva única.
Foi isso que encontrei nestas duas capitais do centro europeu. Palmilhei Praga e Viena durante uma semana e verifiquei o que esperava: belas cidades de passado forte e rico. Mas a capital austríaca pareceu-me das mais perfeitas. Surpreendeu-me o requinte e monumentalidade dos edifícios, a quantidade e cuidado com os espaços verdes, a aposta nos diversos tipos de transportes (realce para as bicicletas e o espaço destinado aos peões) e, sobretudo, a maneira como os vienenses vivem descontraidamente a cidade.
sábado, agosto 29
terça-feira, agosto 4
Sebastião Salgado, de novo
segunda-feira, julho 27
O Homem Lento, J. M. Coetzee
"Fala de amor. Não pode ter a certeza, não tem óculos postos, mas dir-se-ia que um rubor vai subindo lentamente pelo pescoço de Marijana acima. Marijana diz que quer que ele se refreie, mas isso é um disparate, ela não pode querer mesmo dizer isso. Qual a mulher que não quereria uma torrente de palavras de amor derramada de vez em quando sobre ela, por mais questionável que seja a sua origem? Marijana está a corar, e pela simples razão de que também ela é lábil. E portanto? O que vem a seguir? Portanto, de facto tudo é coerente! Portanto, por detrás do caos da aparência funciona de facto uma lógica divina! Wayne vem do nada para lhe deixar a perna feita em papa, portanto meses depois ele cai no chuveiro, portanto esta cena torna-se possível: um homem de sessenta anos imobilizado mais ou menos rígido na cama, a tremer intermitentemente, a declamar filosofia à sua enfermeira, a declamar amor. E o sangue agita-se nela, reagindo!"
segunda-feira, julho 13
segunda-feira, julho 6
O horrível tornado belo. A Senda Estreita para o Norte Profundo, de Richard Flanagan
Excerto de uma entrevista a uma revista brasileira: “Uma das melhores coisas na cultura japonesa é a literatura e, nela, Matsuo Basho. Queria usar o que há de melhor na cultura japonesa para falar do que houve de mais baixo e que esteve naquela guerra imperial em que foram cometidos crimes hediondos. Quanto melhor eu usasse essa relação mais seriam as hipóteses de ter um bom livro, que não julgasse. Queria olhar para aqueles homens. Pensei que se pudesse ter um história de amor no centro de um livro sobre um prisioneiro de guerra que achou ter perdido o amor da sua vida teria o necessário para que a romance funcionasse”, conta Flanagan, explicando também o título, réplica de uma frase de Basho, o poeta que dois responsáveis pelo exército imperial japonês citam nos intervalos do horror que promovem. Basho, dizem eles no romance, é um dos exemplos do “dom supremo do Japão”, o dom de “retratar tão concisa e maravilhosamente a vida”. Na interpretação daqueles militares, no ano de 1943 esse dom materializa-se no “objectivo supremo”: a construção do caminho-de-ferro."
terça-feira, junho 23
Os rapazes de Rui Jorge
Esta equipa de Rui Jorge parte de premissas de que são feitas as grandes equipas: divertem-se coletivamente com o que fazem, e jogam sabendo que a probabilidade de saírem vitoriosas aumenta com o tempo efetivo de jogo.
segunda-feira, junho 15
Ti Elias Mão-de-Ferro, personagem fabulosa da Terra Chã.
«Lá em cima, as mulheres gritaram, através das janelas, sem
saber já se o faziam em proteção de uns ou de outros.
No momento em que espreitou pelo postigo, com a espingarda
na mão, o rapaz percebeu que o pai se encontrava já em cima de um cavalo, com
as mãos atadas atrás das costas e a corda à volta da cabeça, três dos homens de
capuz segurando o animal e invectivando-o com insultos e ameaças. E, ao vê-lo,
gritou, ergueu a arma, muito atabalhoado, e disparou numa direcção indefinida.
O cavalo foi o primeiro a reagir, erguendo as patas da
frente e partindo a galope quinta acima. Os encapuzados desataram a correr,
muito atarantados, como se disso dependessem as suas próprias vidas. Álvaro
Augusto Silveira-Goulart, esse, ficou pendurado pelo pescoço, a sacudir-se num
estertor, e depois apenas a balançar-se ao sabor do vento e da gravidade, já
inerte, com um estranho sorriso na boca.
Elias puxou uma fumaça do seu cigarro grosseiro, agora já
reduzido a uma ponta apenas. Bateu a cinza no cinzeiro.
- Um desses homens era João de Brito Carreiro, empregado da
casa.
José Artur cruzou os braços, num tom de desafio.
- Outro era o Ti Elias.
O velho fitou-o de volta. Fez um gesto com a cabeça.
- E o outro era o teu avô José Guilherme.»
Arquipélago, Joel Neto
domingo, junho 14
quinta-feira, junho 11
domingo, junho 7
A Paixão de Jesus
Não falemos dos escandalosos dinheiros que auferem as
vedetas da bola, porque neste caso o dinheiro não foi determinante - mais milhão menos milhão em tantos milhões. Mas sim do tão propalado e tão em desuso amor à camisola: Jesus sabe muito bem
que trocou êxitos previsíveis por um futuro incerto e hipotecou uma carreira
internacional a troco de uma paixão que lhe poderá trazer imensos dissabores. Neste ambiente medíocre e de guerra instalado, um acto como este requer muita coragem e muita confiança em si próprio. Mas não é isso que se exige a um Homem?
segunda-feira, maio 11
Eu, Cláudio, de Robert Graves. Um regalo
Um romance histórico maravilhoso contado pelo futuro imperador Cláudio, desprezado pela gaguez e pela aparência. Do sábio Augusto e sua vilã mulher Lívia, ao sádico Tibério, até ao excessivo e louco Calígula.
" - Pelo amor que me tens, Cláudio, faz o que te pedem. Por amor do nosso filho. Eles matam-te, se te recusares. Já mataram Cesónia. Agarraram a filhinha pelos pés e fizeram-lhe saltar os miolos contra um muro.
- Tudo vai correr bem, senhor, logo que te acostumes - disse um soldado, sorrindo. - Não é assim tão desagradável a vida de um imperador.
Não protestei mais. Para quê lutar contra o destino? Carregaram-me pelo pátio de honra, cantando o hino ridículo composto para a subida ao poder de Calígula. Forçaram-me a pôr a coroa de folhas de carvalho feita de ouro. Para conservar o equilíbrio, tinha de me agarrar com toda a força aos ombros dos caporais. A coroa ficara-me em banda, sobre uma orelha. sentia-me perfeitamente ridículo. Assemelhava-me a um criminoso que levavam para a execução. As trombetas entoaram a Saudação Imperial."
...
"Eis-me, pois, imperador. Que tolice! Mas ao menos poderei impor que leiam os meus livros. Audições públicas perante uma numerosa assistência. E sem contar que são bons livros - trinta e cinco anos de assíduo trabalho. É de justiça, apenas."
quarta-feira, abril 29
Uma "Ikea"
Um contraste que não deixa dúvidas a ninguém. Parabéns aos designers da Ikea.
Como reverter esta situação que se generalizou e desfigura as nossas casas? Uma ideia: porque não descer o IMI a quem tem bom gosto (não tem marquises).
sábado, abril 25
Cravos vermelhos
Há uns anos, a propósito do 25 de Abril, escrevi o editorial do jornal escolar.
“Para comemorar o 25 de Abril, pedi duas pequenas histórias aos meus colegas Jorge Santos e Turé Couto que viveram intensamente este período e o anterior. Vale a pena lê-las porque, para além do seu valor literário, os mais velhos recordarão com certeza esse tempo mesquinho e claustrofóbico. Para os mais novos, os nossos alunos, para quem esta data é sobretudo um feriado bastante oportuno, espero que vejam nestas histórias, puras histórias de ficção: ou seja, aos olhos de quem sempre viveu em democracia, pareçam inacreditáveis, irreais, de um tempo que acabou há muito. Será sinal que Abril se vai cumprindo. Não devemos, nesses inquéritos feitos na véspera do dia, estar muito preocupados se eles sabem ou não quem foi o Salgueiro Maia ou o Otelo. Não passamos nós com uma idêntica leveza pelo 5 de Outubro? Seremos menos republicanos por isso? Valorizemos antes, e diariamente, os ideais de Abril e da República – Liberdade, Igualdade e Fraternidade.”
sábado, abril 18
No comment
quinta-feira, abril 2
Cinco dias em Florença
Cinco dias em Florença e os sinais foram por demais
evidentes, arrisco generalizar: a prosperidade económica e cultural ao longo de
tantos séculos nota-se a cada esquina desta magnífica cidade. Uma cidade
pintada pelas cores do rio, de uma riqueza explícita que se manifesta nos palazzos renascentistas, na maneira como
preservaram todo o edificado, como integraram o novo, como é tão óbvio para os florentinos
que o luxo e a arte são eternos, como conservam os seus hábitos quotidianos. É fácil identificá-los. Distinguem-se pela elegância das roupas, pelos passeios de bicicleta no meio do
formigueiro de turistas de telemóvel em riste, pela serenidade com que passeiam
os cães ao final da tarde. Aceitam a avalanche diária com a altivez de quem
sabe pertencer a uma cidade à escala do homem rico e culto.
sexta-feira, março 20
A cambalhota de Messi
`
Para quem perde, a zombaria. Só as vitórias contam. Os louros são sobretudo para quem finaliza. Os jogadores sabem disso. Posam, sabendo que as câmaras os perseguem. O regozijo generaliza-se até à histeria se um túnel acontece. O de Messi foi fantástico, é verdade. E a cambalhota? A cambalhota no final do jogo contra o Manchester City (12:23). De uma eloquência perfeita - a desilusão estampada na relva.quarta-feira, março 4
Felisbela, minha avó
Enviou-me duas fotografias da avó Felisbela. Penso cada vez menos nela, apesar de no meu quarto ter uma fotografia em que ela, ainda jovem, ocupa o centro da família. De tão próximas, as fotografias que temos nas paredes das nossas casas acabam por diluir-se. Com esta não será assim.
Numa das fotografias que me enviou, a minha avó posa para o neto mais velho, meu irmão, sentada na ponta de um dos cadeirões da sala de jantar. Ereta, blusa de seda branca com triângulos pretos, olhar direto no primeiro terço da folha, perfil parcial, sorriso forçado, cabelo cuidado, mão esquerda em cima do joelho - o modelo, a professora Felisbela, seguindo as indicações do cânone do retrato clássico. Não fosse a minha avó ali naquele ambiente familiar e os meus olhos nada reteriam.
Mas a primeira que me enviou, esta que vos mostro, tenho a certeza que o comoveu tanto quanto me comoveu a mim. Senti uma saudade imensa. Fez -me lembrar o autorretrato de Rembrandt, de 1669, ano da sua morte. O mesmo rosto cansado, a serenidade estampada no olhar, a luz perfeita de tons suaves do final de tarde, o claro-escuro meigo reflexo da sua maneira de ser, a mesma dignidade, o olhar introspetivo que me emociona.
segunda-feira, fevereiro 23
Território de lugares-comuns
domingo, fevereiro 15
Oito episódios tão curtos
sexta-feira, fevereiro 6
A sério?, uma hora rindo, no S. Luiz
Agora, "A sério?", "a verdade é que logo se verá".
terça-feira, janeiro 20
E a noite roda, Alexandra Lucas Coelho
O eterno conflito israelo-palestiniano serve de fundo a um romance como tantos outros. Leio regularmente os textos de Alexandra Lucas Coelho no Público e não estranhei a prosa. Aliás, gosto desde há muito: concisa, atenta ao pormenor, surpreendente bela. Uma bela prenda de Natal.
"O nosso quarto tem uma cama de ferro que range e uma janela sobre o vale. Cestinho deixado pela Meritxell para a primeira manhã: queijo Garrotxa, compota de framboesa, pão escuro, tomates. Tu cortas os gomos, retiras as grainhas, claramente uma rotina. Fico a olhar as tuas mãos, toda a existência de gestos firmes anteriores a mim, e sinto uma dor absurda, como um membro amputado há séculos. Não vivi contigo o que já viveste, e isso é ao mesmo tempo irreversível e inaceitável."
segunda-feira, janeiro 12
Brilhante
"Ao retomar o seu autoexame, admitiu que havia sido um mau marido - duas vezes. Daisy, a primeira mulher, tinha-a ele tratado sordidamente. Madeleine, a segunda, tinha tentado arruiná-lo. Para o filho e para a filha era um pai carinhoso mas mau. Para os pais, tinha sido um filho ingrato. Para a pátria, um cidadão indiferente. Para os irmãos e irmãs, afetuoso mas distante. Com os amigos, egoísta. No amor, indolente. perante tudo o que era brilhante, mortiço. Em relação ao poder, passivo. E com a sua alma, evasivo."
"Queria dizer-lhe que salpicasse o soalho. Estava a levantar demasiado pó. Dentro de minutos gritar-lhe-ia: «Molhe o chão, senhora Tuttle. Há água no lava-loiça.» Mas ainda não. Nesse momento não tinha nenhuma mensagem para ninguém. Nada. Nem uma única palavra."
Saul Bellow, Herzog
sexta-feira, janeiro 9
Charlie Hebdo
Actos chocantes como estes servem também para reafirmar com
mais clareza ainda que o projecto europeu é o modelo civilizacional que mais valoriza o ser humano.
Sorte a nossa. Devemo-la aos valores saídos da revolução francesa e devemo-la
sobretudo a milhões de pessoas que lutaram e morreram por esses valores, desde a antiguidade clássica. É bom ouvir Je suis Charlie.
Preocupa-me, no entanto, constatar que os nossos líderes europeus se esqueçam sistematicamente deles
quando abordam questões económicas, enaltecendo e copiando modelos económicos que desvalorizam
o trabalho, que não garantem os direitos mais elementares da vida humana e que, inevitavelmente, são incompatíveis com os valores democráticos de que nos orgulhamos.
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