quarta-feira, agosto 24

Na Casa Grande de Romarigães, II




Joana, segundo o painel existente na galeria dos retratos da Casa Grande, não era formosa, mas extremamente sedutora. As mulheres porém não precisam de ser bonitas para serem amadas até à idolatria. Era mediana de corpo, enxuta de carnes, dentes muito brancos e regulares, olhos pretos de que não se via o fundo, e um sorriso brando, destes que, sem jamais se descomporem, variam de suavidade como os felinos que reflectem nas pupilas os cambiantes da luz. Da cinta era fina e, no andar, um tudo-nada flexuoso, punha um dengue tão involuntário que se quedava em requebro natural, promissor de temperamento. Pertencia em suma à classe das mulheres que, a começar pelo corpo e a acabar pela alma, se tornam amantes perfeitas. Lianças com elas jamais se rompem. Quem as ama, ama-as até à morte. Quando desaparecem, deixam inextinguível braseiro. É que deram com a sua carne a beber o filtro que não perdoa, onde se concentram meiguice e enliçamento animal, princípios sumos da voluptuosidade criadora.
In A Casa Grande de Romarigães de Aquilino Ribeiro

Sem comentários:

Enviar um comentário