terça-feira, julho 19

Cartas de Vidago, Crise versus rating

El País


É preciso ficarmos endividados e entalados numa crise sem fim à vista para percebermos que há umas todas-poderosas instituições que sentenciam acerca da nossa pobreza apontando com o seu dedo penalizador: não emprestes mais dinheiro àquele, corres o risco de ficar sem ele. Já todos sabemos pela experiência e pela História que há sempre quem se queira aproveitar da miséria alheia. Seja pela usura, seja pelo aproveitamento das carências das vítimas, esse oportunismo pode assumir várias formas. O que me parece estar em causa no presente, confirmada por várias análises, é a descredibilização intencional para daí alguém tirar dividendos. Somos pobres e desprotegidos, mas ainda nos querem fazer mais pobres, para ficarmos ainda mais desprotegidos e assim termos que um dia pagar a protecção bem cara, com iminente perigo para as liberdades e direitos individuais. É a exploração do homem pelo homem na sua essência mais vil e primitiva, envolvida por uma capa moderna e sofisticada cheia de gráficos, números, percentagens e anglicismos contundentes. Tudo evolui, mas há mecanismos que se mantêm inalterados desde que há mais de dez mil anos, o homem descobriu que se for mais forte se sente na legitimidade de aniquilar o mais fraco.


Portugal é um país com uma língua falada por mais de duzentos milhões de pessoas; tem potencial humano que teve papel fundamental na reconstrução do caos deixado pela segunda guerra mundial; nos últimos vinte anos renasceu de um enorme atraso estrutural; tem o direito de se reclamar um dos pioneiros de um mundo global com mais de quinhentos anos; ajudou a descobrir e a edificar o maior e mais poderoso país do mundo; teve a capacidade de absorver mais de um milhão de retornados das ex-colónias; orgulha-se de ter uma diáspora que tem dado provas de responsabilidade, perseverança e capacidade de trabalho; forma técnicos e quadro superiores com lugares de destaque em todo o mundo. Apenas enunciando algumas qualidades. Um país com estas características é considerado “lixo”. Com que bases nos colocam num patamar tão fedorento? Que legitimidade têm estas instituições que mandam tapar o nariz aos que nos querem visitar? Porque só existem três, e todas sedeadas no mesmo país? O poder tem-se concentrado de tal forma que basta um estalar de dedos para arruinar uma grande empresa, uma região ou um país. É caso para inferir: está legitimada a bomba atómica da economia? Os alvos estão indefesos e as vítimas estão inocentes. Cuidado! Aprenda-se com a História e encontrem-se outras soluções. Relembro que o recurso à letal bomba foi aplicado porque se tratava de um país agressor com intenções de domínio planetário. E nós, somos um país agressor? Por que nos querem fazer mal? Porque estamos integrados num conjunto que poderá ser agressor? A Europa, no seu conjunto, tem-se afigurado muito mais como uma aliança reguladora do que agressora, por isso não vejo razões para tanta hostilidade. Portugal, apesar de todas as potencialidades, apenas tem um enorme problema que nunca mais consegue resolver: consegue muito melhor desempenho laboral fora do país do que dentro das suas fronteiras. Problema justificado pelos fracos recursos nacionais comparados com os de outros países. Mesmo assim poderiam explorar-se muito melhor. E foi aqui que desperdiçámos a soberana oportunidade de criar também uma estrutura produtiva competitiva e sustentável. Podemos pelo menos contar com uma boa recuperação estrutural que em muito contribuiu para o nosso endividamento. Agora que não se pode regressar ao passado, resta-nos rentabilizar essas estruturas privilegiando a produção em detrimento do pavoneio exibicionista alimentado pelo consumismo descontrolado. Será que ainda vamos a tempo? Não basta cortar na despesa e aumentar as receitas sempre com a contribuição dos mesmos sacrificados. Para o pagamento da dívida e a criação de condições de sustentabilidade têm que ser convocados todos os agentes para que seja feita uma distribuição equitativa de responsabilidades e a proporcional atribuição das tarefas a desempenhar tendo em vista nobres desígnios de afirmação, dignidade e soberania.


José M. Carvalho

2 comentários:

  1. Já agora...empresta-me o teu país. Sou uma cidadã do mundo mas apetece-me ficar neste cantinho pobre e desprotegido, onde as decisões são sempre tomadas pela pressão dos media que fazem sempre o favor de estragar tudo...não fossem eles e ninguém saberia que somos pobres...
    Abraço
    Julieta

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  2. Desde que descobri este blog que o tenho visitado com muita frequência. São os temas escolhidos e a maneira muito especial de os apresentar que me cativam. Contudo, desde que estas "Cartas de Vidago" surgiram, o blog está a descaracterizar-se e a deixar de ser o que era. São cartas pesadas, mastigadas e anacrónicas. Não prestam! Recomendo ao seu autor que construa o seu blog, se souber, e espere eternamente que as visitas apareçam...
    Marco Sérgio

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