sábado, junho 19

O ano da morte de Ricardo Reis

"... ela não resistiu mais, não poderia, ainda que o impusessem as conveniências, porque este momento é um dos melhores da sua vida, pôr a água a correr, despir-se, entrar devagarinho na tina, sentir os membros lassos no conforto sensual do banho, usar aquele sabonete e aquela esponja, esfregar todo o corpo, as pernas, as coxas, os braços, o ventre, os seios, e saber que para lá daquela porta a espera o homem, que estará ele a fazer, o que pensa adivinho, se aqui entrasse, se viesse ver-me, olhar-me, e eu nua como estou, que vergonha, será então de vergonha que o coração bate tão depressa, ou de ansiedade, agora sai da água,todo o corpo é belo quando a água sai a escorrer, isto pensa Ricardo Reis que abriu a porta, Lídia está nua, tapou com as mãos o peito e o sexo, diz, Não olhe para mim, é a primeira vez que assim está diante dele, Vá-se embora, deixe-me vestir, e di-lo em voz baixa, ansiosa, mas ele sorri, um tanto de ternura, um tanto de desejo, um tanto de malícia, e diz-lhe, Não te vistas, enxuga-te só, oferece-lhe a grande toalha aberta, envolve-lhe o corpo, depois sai, vai para o quarto e despe-se, a cama foi feita de lavado, os lençois cheiram a novo, então Lídia entra, segura ainda a toalha à sua frente, com ela se esconde, não delgado cendal, mas deixa-a cair ao chão quando se aproxima da cama, enfim aparece corajosamente nua, hoje é dia de não ter frio, dentro e fora todo o seu corpo arde, e é Ricardo Reis quem treme ..." (p.255)
In O Ano da Morte de Ricardo Reis de José Saramago

Sem comentários:

Enviar um comentário