segunda-feira, julho 16

O triunfo dos treinadores. A derrota do futebol.


O mundial da Rússia foi o mais aborrecido de todos os que me lembro ver. Mesmo para aqueles que dissertaram sobre cada partida querendo fazer de cada uma delas um jogo de suprema estratégia, quais generais a por e a dispor os seus soldadinhos de chumbo num campo de batalha, ainda assim, não conseguiram negar a evidência – que estopada foi este futebol por terras russas. Ouvi-los, jogo após jogo, tentar seguir os raciocínios elaborados foi o primeiro passo para percebermos que não estávamos a ver a mesma coisa. Esforçaram-se muito, é verdade. A linguagem é cada vez mais cuidada e o vocabulário específico assertivo. No entanto, o futebol praticado de há uns anos para cá não acompanha esta vontade veemente de o entender racionalmente, de ver beleza onde o belo não toca, de o vender como de obra de arte se tratasse.
Desde que os treinadores e os seus afeiçoados comentadores começaram a ter um protagonismo inusitado, a qualidade do futebol nas quatro linhas mirrou: o rigor e a disciplina férreas espartilharam o jogo, os esquemas táticos, assinados por estrategas de gravata e fato armani, tiraram-lhe o improviso, o pragmatismo seco e inestético impôs-se. Aos domesticados craques da favela ou do bairro pobre parisiense resta-lhes apenas escolher a cor das chuteiras, os cortes de cabelo e as tatuagens.

terça-feira, julho 3

Ler e reler Philip Roth


«Escrever era a única coisa que valia a pena, a experiência excepcional, a luta exaltada, e não havia outra maneira de escrever que não fosse fanaticamente. Sem fanatismo, nada de grandioso se alcançava na ficção. Nathan tinha no mais alto conceito possível as gigantescas capacidades da literatura para engolir e purificar a vida. Escreveria mais, publicaria mais, e a vida tornar-se-ia colossal.
Mas o que se tornou colossal foi a página seguinte. Pensava que tinha escolhido a vida, mas o que tinha escolhido era a página seguinte. Enquanto roubava tempo para escrever contos, nunca lhe ocorreu pensar no que o tempo estaria a roubar-lhe a ele. Só pouco a pouco o aperfeiçoamento da sua vontade férrea de escritor começou a parecer-lhe a evasão da experiência, e o meio de libertar a imaginação para a exposição, revelação e invenção da vida lhe surgiu como a mais feroz forma de encarceramento. Pensava que tinha escolhido a intensificação de tudo, e afinal tinha escolhido a vida monástica e a clausura.»
Lição de Anatomia, Philip Roth