Só retiraria o adjectivo à última frase e salientaria a constante referência ao romance O coronel Chabert, de Balzac. Reflectem Marías e Balzac sobre a impossibilidade de alguém regressar a um lugar quando todo o contexto se alterou. O livro de Javier Marías é muito mais do que um romance. É, sobretudo, uma reflexão crua sobre a vida.
Quem segue o regresso do sargento Nicholas Brody, na fabulosa série Homeland (Fox, canal 89), encontrará em Enamoramentos um complemento oportuno.
"Sim, todos somos arremedos de pessoas que nunca chegámos a conhecer, gente que não se aproximou e passou ao largo
da vida de quem agora queremos, ou que se deteve mas se cansou com o tempo e
desapareceu sem deixar rastro ou só a poeira dos pés que vão fugindo, ou que
morreu para aqueles que amamos causando-lhes mortal ferida que quase sempre
acaba cicatrizando. Não podemos pretender ser os primeiros, ou os preferidos,
somos apenas quem está disponível, os restos, as sobras, os sobreviventes, o
que vai ficando, os saldos, e é com esse pouco nobre que se edificam os maiores
amores e se fundam as melhores famílias, disso provimos todos, produto da
casualidade e do conformismo, dos descartes e das timidezes e dos fracassos
alheios, e mesmo assim daríamos qualquer coisa às vezes para continuar junto de
quem resgatámos um dia de um sótão ou de um leilão, ou tiramos à sorte nas
cartas ou nos recolheu dos detritos; inverosimilmente conseguimos nos convencer
dos nossos fortuitos enamoramentos, e são muitos os que creem ver a mão do
destino no que não é mais do que uma briga de aldeia quando o verão já agoniza…"
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