Na semana do Natal, trocávamos as brincadeiras de rua pela escolha criteriosa do pinheiro e do musgo, pela colocação das figuras de barro no presépio de novo refeito, pelo borralho da braseira onde se torrava pão, pelo cheiro dos fritos que nos avisava da proximidade da madrugada das prendas no sapatinho.
Recordo-me que o dia de consoada era longo, muito longo. O repasto, excepcionalmente mais tarde, começava com o depenicar de uns macios bolos de bacalhau. Depois, entravam fumegantes postas de bacalhau cozido com batatas farinhentas do barroso e couve troncha passada pelo azeite e alho, que eram substituídas pela pequenada pelo polvo, também ele cozido. No fim, os doces – rabanadas de leite e água, jirimuns lambidos em suave calda de açúcar perfumada com pau de canela, línguas de abade, leite-creme bem marcado pelo ferro, pratos de aletria decorados com a mestria da minha mãe - enchiam de novo uma mesa ainda composta.
Íamos para cama muito cedo na tentativa de acelerar um relógio que naquele dia teimava em atrasar-se. Depois o sonho começava ainda com os olhos bem abertos e terminava abruptamente com um safanão do meu irmão. O Pai Natal era sempre muito generoso – arranjava sempre o fim mais desejado para os nossos sonhos.
Durante a missa de Natal, contávamos aos amigos as prendas recebidas e marcávamos encontro para a única matiné do ano. Bem, naquele Natal de 67, depois de um almoço tradicional – o divinal Cabrito Assado no Forno – entrámos para o Cine-Vidago do senhor Germano, para ver mais um filme do Cantinflas. Eram só miúdos e a algazarra só parou ao acender das luzes coloridas que indicavam o início da projecção. As gargalhadas sucederam-se de princípio a fim e quando saímos… bem, quando saímos, fomos encontrar um incrível manto de neve de um branco puríssimo, imaculado, acabado de cair, que nos fez os miúdos mais felizes do mundo!
Não é repetição?
ResponderEliminarPaulo, não sejas desmancha-prazeres.Isto lê-se e relê-se com gosto. Parabéns ao autor.
ResponderEliminarQue belo texto! Quanta ternura e recordações me trazem (também a mim) estas palavras!
ResponderEliminarParabéns, A. Barreira! És um excelente escritor!
Bj