sexta-feira, abril 8

Cartas de Vidago, Para cá do mar

Entre dois ambientes e formas de gozar as sempre ambicionadas férias, mini férias, fins-de-semana e outras escapadelas, a generalidade da população continua a seguir a tendência iniciada pouco depois da segunda metade do século vinte: a troca do campo, do termalismo e do turismo de montanha, pela maresia, o marulhar, o sol, o mar, a areia, o bronze e os biquínis… A magia e o inebriamento deste ambiente foram mais fortes e arredaram os veraneantes do interior para o litoral, num desequilíbrio vertiginoso. O fluxo de tráfego inverteu-se e todos os caminhos e placas apontaram para o oeste e o sul atraindo os turistas numa corrida desenfreada de carros e carrinhas com malas e tejadilhos a abarrotar. Nesta direcção seguiram também as betoneiras para adensar a floresta de betão que entretanto medrou exponencialmente. Em seu detrimento, durante as últimas quatro décadas, milhares de camas de hotéis e pensões do interior ficaram vazias, enferrujadas ou carunchosas. Os seus salões, outrora palcos de animadas festas e atracções variadas, encheram-se de teias e largam pedaços de estuque, deixando vislumbrar uma impossível recuperação. À medida que os anos passam, mais se acentua a falta de esperança de ver aquelas decrépitas ruínas ressurgirem do inexorável abandono. O escombro parece ser o destino mais certo. Numa verdadeira apologia à ressuscitação, o homem verga-se perante a conjugação do belo natural e do arquitectónico e chega a tempo de restaurar o esplendor do Vidago Palace Hotel e a sua envolvência, evitando que também seja dizimado pela lei do abandono. Salva-se assim do escombro um irredutível recanto cuja beleza resiste e sempre consegue fragilizar a insensibilidade, impondo-se aos autores do paralelepípedo à beira mar plantado. Imponência, requinte, luxo são parcas palavras para caracterizar o resultado desta obra que se colou com fidelidade à sua origem do início do século XX e contrasta com o espaço completamente novo do SPA de linhas arquitectónicas actuais. Aqui, o cheiro a maresia é substituído por um “cocktail” de aromas feito com os ingredientes silvestres das variedades de árvores e arbustos, que não só perfumam o ar como conferem à paisagem a aprazível cor verde da ramagem e da relva tratada com esmero. A Primavera salpica-a com a ponta do pincel multicolor. No Verão, com temperaturas menos suportáveis, sabe bem o refúgio debaixo da frondosa folhagem. E o Outono, com a sua palete de tonalidades gradativas, pinta-a como nenhum outro artista, deliciando a vista ao espectador. O Inverno, não é por ser o mais frio, nebuloso e sombrio que desfeia o panorama. Ele tem também a sua beleza. A neblina do fim das curtas tardes começa a ofuscar os ramos agora despidos criando um clima de um certo misticismo. A temperatura desce, os ombros aconchegam a gola do casaco ao pescoço e chega o momento de sentir o reconfortante crepitar das achas que alimentam o fogo da lareira convidando ao relaxamento, à reflexão ou à amena cavaqueira, com o olhar posto na variância das chamas. Nesta região, longe do mar, não se ouve o marulhar das ondas mas sim o murmúrio das folhas quando são agitadas pela brisa. Também se ouve o silêncio das montanhas que ajuda ao restabelecimento depois de meses de balbúrdia citadina. Em vez de se sulcar a vasta imensidão de água com as quilhas das mais variadas embarcações de recreio, pode-se sulcar picadas montanhosas e florestais com os cascos do cavalo ou com os pneus do todo-o-terreno. Pode-se estimular a adrenalina voando na asa delta, no pára-pente ou no cabo de aço, imitando o planar das grandes rapaces ou o voo picado do falcão. Pode sentir-se a agradável sensação de ver a bola de golfe a rasgar o ar depois de uma tacada desferida com todo o rigor que a modalidade exige e vê-la pouco depois a entrar no buraco, inebriando-se com o sabor triunfal de ter conquistado uma pancada ao “par” do campo. Os apetecíveis courts de ténis fazem também parte deste rol, para quem gosta de ouvir o som recheado do impacto da bola na raquete. E, depois de toda esta azáfama recreativa e de lazer, só falta mesmo o reconfortante Sanus Per Aqua com os relaxantes banhos, jactos e jacuzzi. Para os saudosistas da época áurea do termalismo, não há melhor escolha. Para ajudar a limpar as mazelas do inferno citadino, tem aqui o paraíso um sério concorrente, com a vantagem de se poder usufruir dele em vida. Psicólogos, psiquiatras e outros terapeutas da mente e do espírito, poderão contar com mais um conteúdo para as suas receitas. Amantes da calma, do repouso e da meditação têm aqui o seu espaço recomendado. Amantes do coração encontram aqui os recantos ideais para uma recheada dedicação e envolvimento. Os adoradores do sol, do mar e da areia fazem bem em dar descanso à sua pele e experimentar outras formas de revigorar os seus corpos. A recuperação deste espaço turístico pode despoletar a restauração e reactivação de outros, contribuindo para o despertar de uma letargia já longa. Cabe aos organizadores, promotores, divulgadores turísticos e às próprias direcções dos estabelecimentos hoteleiros a criação e concertação de atractivos e ofertas adaptadas aos recheios das mais variadas bolsas e aos interesses dos visitantes no sentido de rentabilizar os investimentos feitos e de dinamizar o turismo e a economia regional.
José Manuel Carvalho (j-carvalho@sapo.pt)

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