Por coincidência, tinha acabo de ler este trecho quando encontro a leitura feita pelo próprio Ian McEwan. É muito agradável ouvi-lo seguindo o texto em português.
Noventa minutos mais tarde, foi perturbado pelo toque de um palmtop e acordou por completo com ele já encostado ao ouvido, a escutar a voz da rapariga cuja existência ele tinha feito tudo o que a decência lhe permitira para destruir. Mas ali estava ela, Catriona Beard, tão irreprimível como um livro proíbido, a perguntar com solenidade:
- Papá, que estás a fazer?
Em Inglaterra eram seis da manhã de Domingo. Ela devia ter acordado ao romper do dia, ido directamente da cama para o telefone da sala, e carregado no primeiro botão à esquerda.
- Estou atrabalhar, querida - respondeu ele com igual solenidade. Podia facilmente ter-lhe dito que estava a dormir, mas pareceu-lhe necessária uma mentira para acalmar a culpa que sentira mal ouvira o som da sua voz. muitas conversas com a filha de quatro anos recordavam-lhe os diálogos ao longo dos anos com várias mulheres, no decurso dos quais havia apresentado explicações pouco plausíveis, feito marcha atrás ou encontrado desculpas, tendo sido sempre apanhado.
- Estás na cama, porque a tua voz está rouca.
- Estou a ler na cama. E tu, que estás a fazer? Que estás a ver?
Ouvi-a respirar fundo e o som da língua limpa a chupar os dentes de leite, como se ela estivesse a considerar com que rede de linguagem recém-adquirida se devia cobrir. Devia estar sentada no sofá virado para a janela e para a cerejeira coberta de folhas, ou perto dele, a ver a grande taça com pedras que sempre interessava, a maqueta de Moore, as cores neutras das paredes iluminadas pelo sol, as longas linhas rectas das tábuas de carvalho do chão. ...(p260)
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