quinta-feira, janeiro 26

A Gorda, Isabela Figueiredo



Depois do surpreendente Caderno de Memórias Coloniais, Isabel Figueiredo publica este romance cru, de tons duros, entre os escuros e os claros, impiedoso e pujante.

« Sacolejando-me, procuro o lugar da ignição, vem coisa imaterial ao redor de mim, vem, e há um instante em que agarro essa névoa por um braço, perna, um farrapo, a agarro toda, a puxo com força, a seguro, tenho-a, prendo-a, e, mantendo-a, deixo-a rebentar no momento em que cruza inteira o tamanho do meu corpo, não sei em que direcção, vai, não sei quem sou, não pertenço a lugar algum, sexo e cérebro são uma esfera de luz-prata na qual nos suspendemos por segundos, não mais, cegos, só dor luminosa no lugar do nada…»


sexta-feira, janeiro 20

O que correu mal em Obama?

Ilustração André Carrilho

Também vou ter saudades de Obama. Saudades do humanismo e da tolerância. Saudades da modernidade e da elegância dos actos. Do seu sorriso largo. Saudade dos discursos espontâneos e informais, das diferenças de timbre da sua voz, das alterações sistemáticas de ritmo, das pausas prolongadas que nos permitiam refletir. A oratória como uma ciência das emoções. Também um mestre na gestão da imagem. Ninguém geriu tão bem a linguagem corporal, os locais por onde andou ou por onde passeou, até mesmo a subtil e eficaz exploração dos espaços familiares e dos gestos mais íntimos. Se era difícil superar Bill Clinton, Barack Obama conseguiu-o largamente.
Se do ponto de vista europeu e pelos dados revelados pelos vários indicadores, a governação foi, apesar da maior crise económica mundial depois de 1929 e ao invés da Europa, um sucesso, há algo que não consigo compreender, porque contraria a história da tomada do poder dos partidários do populismo: o que correu mal nestes anos de Obama para que o povo americano votasse numa mudança tão radical e entregasse o mais alto cargo da nação ao sinistro Donald Trump?

sexta-feira, janeiro 13

Plata o Plomo



Anos 80. Pablo Escobar era o maior contrabandista do mundo. Toda a sociedade colombiana estava refém de um negócio  próspero - cocaína, dinheiro e sicários. O confronto entre o poder político e o narcotráfico levou a situações de uma violência inaudita: a chantagem, o rapto, o terrorismo.
A não perder a série da Netflix  e acompanhar com a leitura do livro de Gabriel Garcia Márquez, Notícia de um Sequestro.

«Com a fortuna e a clandestinidade, Escobar ficou dono da situação e converteu-se numa lenda que dominava tudo a partir da sombra. Os seus comunicados  de estilo exemplar e cautelas perfeitas chegaram a parecer-se tanto com a verdade que se confundiam com ela. No alto do seu esplendor ergueram-se altares com o seu retrato e puseram candelabros nas comunas de Medellin. Chegou a julgar-se que fazia milagres. Nenhum colombiano em toda a história tinha tido ou exercido um talento como o dele para condicionar a opinião pública. Nenhum outro teve maior poder de corrupção. A condição mais inquietante e devastadora da sua personalidade era que carecia completamente da indulgência para distinguir entre o bem e o mal.»
Notícia de um Sequestro, de Gabriel Garcia Marquez.

«A realidade saiu-lhe ao encontro quando viu abandonado à beira da estrada o cadáver de uma adolescente de uns quinze anos, com boa roupa de cores festivas e uma maquilhagem escabrosa.
- Está ali uma rapariga morta.
- Sim - disse o motorista sem olhar. - São as bonecas que andam nas festas com os amigos de Dom Pablo.»
                                                                               Notícia de um Sequestro, de Gabriel Garcia Marquez.

segunda-feira, janeiro 2

No Porto para ver o velho e nobre casario ganhar vida ...




... mas também constatar o timbre pardacento e as sombras escuras desta terna cidade: o lixo que se amontoa, e a quantidade de indigentes que a fere.