terça-feira, junho 24

Irresistível


… “Talvez tenha feito isso ou talvez não; alguma coisa fez, isso é certo – mas quem é capaz de distinguir o que é do que não é quando confrontado com semelhante mestra da falsidade? As cenas patéticas que ela improvisava! A pura hipérbole de tudo o que imaginava! O poder de autossugestão dos embustes que urdia! A convicção com que desenhava aquelas caricaturas!
Não vale a pena fingir que não contribuí para lhe alimentar o talento. Aquela que a princípio não terá passado de uma mentalidade mendaz e provinciana, tentada pela possibilidade de caçar uma boa presa, transformou-se, não pela fraqueza mas pela força da minha resistência, numa coisa maravilhosa e demencial, numa imaginação lunática e inebriante que – pondo de parte tudo o resto – reduzia ao ridículo absoluto as minhas convencionais conceções universitárias de verosimilhança na ficção e todas aquelas elegantes fórmulas jamesianas que tinha interiorizado sobre proporção, vias indiretas e tato. Levou tempo e custou sangue, e a verdade é que só quando comecei a escrever O Complexo de Portnoy consegui deitar cá para fora alguma coisa que se parecesse com o talento para a ousadia estonteante que ela tinha. Não há dúvida de que ela foi o meu pior inimigo de sempre mas, tenho de reconhecer, foi também o mais espantoso de todos os meus professores de escrita criativa, especialista por excelência em estética de ficção extremista.
Leitor, casei-me com ela.”    Philip Roth, Os Factos

No Público, aqui e aqui

3 comentários:

  1. E agora, que Roth disse que não ia escrever mais (será que vai cumprir?), temos de aproveitar esta última pérola que ele nos dá.

    ResponderEliminar
  2. Era, realmente, uma pena. Este livro é de 1988.

    ResponderEliminar
  3. Pois é! Afinal o livro que ando a ler, Pastoral Americana, é mais recente que Factos. O último livro que escreveu foi Némesis.

    ResponderEliminar