A minha avó lia o jornal no dia seguinte. Desde que se reformara ficava pelas páginas dos crimes e roubos que, convenhamos, não perdiam a actualidade de um dia para o outro. Assim, em minha casa sempre me lembro de dois jornais que identificava imediatamente pela frescura do papel e pelo local do poiso. Um chegava impreterivelmente às sete e dez, hora a que o meu pai regressava para jantar, o outro, já descomposto por outros olhares, no quarto da minha avó Felisbela que, pelos seus óculos de professora e num contínuo sibilar de atrocidades, passava parte da sua tarde horrorizada com os tempos que corriam. Eram tempos do Primeiro de Janeiro, que se diferenciava pela independência em relação aos governos de então, do rival Comércio do Porto, mais popular e alinhado, e do paroquial JN, ainda sem expressão nacional. Anos sessenta.
Quanto a mim, ainda miúdo, virava as páginas do jornal à procura de algo que os mais velhos pareciam encontrar, numa cadência rápida que só o futebol conseguia contrariar. No Verão, claro, analisava minuciosamente as classificações da Volta a Portugal em Bicicleta e na penúltima página, ao lado das palavras cruzadas e das sete diferenças, sempre tão óbvias, as tiras do Mandrakee e do Fantasma. Ao domingo, intrigava-me a tira de três quadradinhos do Príncipe Valente que já ia na casa dos milhares e nunca consegui perceber quem seguiria tal história e quando teria começado.
A ideia do jornal como caixinha de surpresas vem daí e ainda se mantém. Abro-o com a curiosidade de quem desembrulha algo, com a expectativa de encontrar não sei bem o quê que me fixe a atenção distraída. E encontro. Nos diversos jornais online que consulto há, cada vez mais, quem escreva muito bem, quem ilustre ou fotografe com grande sensibilidade, quem faça publicidade com grande criatividade. Neste ritual diário que começa pelas capas dos jornais, tropeço sempre no mau gosto da primeira página de um “jornal” que usa o nome de O Primeiro de Janeiro.