terça-feira, dezembro 28

Esmolas

......................Daumier

Numa curta entrevista à RTPn, o Padre Feytor Pinto foi muito claro na crítica à situação da ajuda aos mais necessitados. Sem nunca o dizer claramente, condenou todo este espectáculo de caridade a que assistimos diariamente, e que tem proliferado por todo o país, e advertiu para a possibilidade de todas estas acções desviarem a atenção dos verdadeiros responsáveis pelas desigualdades sociais - pelo estado do país.
Bastaram dois anos de crise mais aguda para que o Portugal salazarento e beato, da esmola e da caridade, regressasse em todo o seu esplendor, agora com as televisões por perto.
Os nossos impostos servem para que nenhum português tenha que estender a mão.

segunda-feira, dezembro 20

Um branco puríssimo, imaculado.

No alto do Reigás o meu pai engatava a terceira, não fosse o gelo fazer das suas. No volkswagen azul levávamos o coração e as mãos a ferver de tanto brincar na neve. Descíamos cuidadosamente o monte. À terceira curva, de onde avistaríamos Vidago lá no fundo, via-se um imenso e denso nevoeiro que tudo aplanava. Era quase sempre assim: geada atrás de geada e um frio de rachar que o nevoeiro perpetuava por dias sem fim. Mas neve, em Vidago, a tão desejada neve, essa, cercava-nos à distância do desejo.
Na semana do Natal, trocávamos as brincadeiras de rua pela escolha criteriosa do pinheiro e do musgo, pela colocação das figuras de barro no presépio de novo refeito, pelo borralho da braseira onde se torrava pão, pelos cheiros dos fritos que nos avisava da proximidade da madrugada das prendas no sapatinho.
Recordo-me que o dia de consoada era longo, muito longo. O repasto, excepcionalmente mais tarde, começava com o depenicar de uns macios bolos de bacalhau. Depois, entravam as fumegantes postas de bacalhau cozido com batatas farinhentas do barroso e couve troncha passada pelo azeite e alho, que eram substituídas pela pequenada pelo polvo, também ele cozido. No fim, os doces – rabanadas de leite e água, jirimuns lambidos em suave calda de açúcar perfumada com pau de canela, línguas de abade, leite-creme bem marcado pelo ferro, pratos de aletria decorados com a mestria da minha mãe - enchiam de novo uma mesa ainda composta.
Íamos para cama muito cedo na tentativa de acelerar um relógio que naquele dia teimava em se atrasar. Depois o sonho começava ainda com os olhos bem abertos e terminava abruptamente com um safanão do meu irmão. O Pai Natal era sempre muito generoso – arranjava sempre o fim mais desejado para os nossos sonhos.
Durante a missa de Natal, contávamos aos amigos as prendas recebidas e marcávamos encontro para a única matiné do ano.
Bem, naquele Natal de 67, depois de um almoço tradicional – o divinal Cabrito Assado no Forno – entrámos para o Cine-Vidago do Sr.Germano, para ver mais um filme do Cantinflas. Eram só miúdos e a algazarra só parou ao acender das luzes coloridas que indicavam o início da projecção. As gargalhadas sucederam-se de princípio a fim e quando saímos… bem, quando saímos, fomos encontrar um incrível manto de neve de um branco puríssimo, imaculado, acabado de cair, que nos fez os miúdos mais felizes do mundo!

sexta-feira, dezembro 17

Naufrágios

Dois séculos entre o terrível naufrágio na Austrália e a pintura de Géricault. Tudo separa as imagens, mas o drama, a emoção e a artificialidade mantém-se.

sexta-feira, dezembro 10

Winners Open Source House competition

O atelier português Blaanc, em parceria com o arquitecto João Caeiro, venceu o concurso internacional Open Source House, promovido pela Enviu, innovators in sustainability (Holanda), promotora internacional de empreendedorismo sustentável, pelo projecto desenvolvido para a criação de uma habitação modelo, sustentável, flexível e de baixo custo, na Cape Coast do Gana.
João Caeiro vive actualmente em Oaxaca, no México. Dedica-se especialmente ao trabalho e formação junto das comunidades rurais, tendo vindo a desenvolver projectos sustentáveis e pesquisa direccionada para a construção com materiais locais, especializando-se em terra e em bambu. É docente na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Oaxacadas das disciplinas de Desenho Artístico e Geometria na Faculdade de Belas Artes.

quarta-feira, dezembro 8

‘Mario, a única coisa para que serves é para escrever’”.


“Quase 70 anos depois recordo com nitidez como essa magia, traduzir as palavras dos livros em imagens, enriqueceu a minha vida, rompendo as barreiras do tempo e do espaço e permitindo-me viajar com o Capitão Nemo vinte mil léguas de viagem submarina, lutar com d’Artagnan, Athos, Portos e Aramis contra as intrigas que ameaçam a Rainha nos tempos do sinuoso Richelieu, ou arrastar-me pelas entranhas de Paris, convertido em Jean Valjean, com o corpo inerte de Marius às costas”
no Público

domingo, dezembro 5

Ó Hilária ardente


Foi no mês alumbrado dos bruxedos
o aluarado encontro.

Ó Hilária ardente,
túrgida trigueirona,
de sobrancelha sexy e gomo polpudo,

laçaste-me
com a tua boca bárbara.

Ó trémula beleza sem apoio
fiz-te pássaro e como-te no voo.

Não me culpes, amor

foi bruxaria.


Solino