sexta-feira, novembro 26

Mario Vargas Llosa, Prémio Nobel

“ - Foi uma imprudência, no seu estado ter andado a dançar assim toda a tarde, Pelirrojo – disse-lhe, com o tom mais natural do mundo, enquanto ensaboava as mãos. – Podia ter abortado. Aconselha-a a não usar cinta, e ainda menos tão apertada. Quanto tempo tem? Três, quatro meses?
Foi nesse momento que, veloz e mortífera como uma picadura de cobra, a suspeita cruzou a mente do doutor Quinteros. Com terror, sentindo que o silêncio da casa de banho se tinha electrizado, olhou pelo espelho. Pelirrojo tinha os olhos incredulamente abertos, a boca torcida num esgar que dava à sua cara uma expressão absurda, e estava lívido como um morto.
- Três, quatro meses? – ouviu-o articular, entupindo-se. – Um aborto?
Sentiu que lhe fugia a terra. “Que bruto, que animal que tu és”, pensou. E agora sim, com atroz precisão, recordou que todo o noivado e o casamento de Elianita eram uma história de poucas semanas. Afastara a vista de Antúnez, secava as mãos demasiado devagar e a sua mente procurava ardorosamente alguma mentira, um álibi que tirasse aquele rapaz do inferno para o qual acabava de o empurrar.”
In A Tia Julia e o Escrevedor de Mario Vargas Llosa

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