segunda-feira, agosto 27

Agosto com os Karamázov



«Tal fama havia adquirido Fiódor Pavlovitch Karamázov, que, decorridos treze anos após a sua morte, de maneira sombria e trágica como vereis a devido tempo, ainda causa comentários cheios de interesse aos vizinhos da comarca onde viveu. Por agora, limitar-me-ei apenas a afirmar que este proprietário que não dedicou um só dia às suas terras era um tipo raro. Não porque não abundem aqueles que à degradação dos vícios unam a insensatez das ideias; mas Fiódor pertencia a esse grupo de isentos capazes de se aferrar obstinadamente  ao interesse material dos seus negócios e não dedicar qualquer espécie de interesse a tudo o resto. Começou com quase nada, e uma posição das mais modestas; mas, impondo a sua presença em casa dos vizinhos, e conquistando com arte um lugar às suas mesas postas, amontoou os cem mil rublos que, em moedas, foram encontradas em arcas quando da sua morte. Recebeu sempre as honras dispensadas aos homens mais extravagantes e fantásticos da região. Dissemos que não era tolo, já que muito astutos e inteligentes são estes indivíduos fantasiosos; mas era caracterizado por essa insensatez peculiar do Russo que possui uma manifestação própria.
Casou duas vezes e teve três filhos: um, Dmitri, o mais velho, da primeira mulher, e dois, Ivan e Alexey, da segunda. A primeira esposa, Adelaide Ivanovna, pertencia à família dos Miusov, uma das mais nobres e opulentas, e dona de considerável extensão do nosso território. Não tentarei explicar como foi possível que uma rica herdeira, que à sua formosura unia a fortaleza de espírito e inteligência tão comuns às jovens de hoje, mas que, naqueles tempos, eram um dom raro, contraísse matrimónio com um aldrabão tão desprezível, como todos apelidavam o marido.»
Fiódor Dostoiévski, Os Irmãos Karamázov, Ed. Saída de Emergência 

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