O Luis, meu irmão, disse-me que só notara que Vidago tinha muitas árvores quando
partiu para terras do sul. Acontece com frequência sentirmos falta das coisas, mas de árvores? Há,
evidentemente, árvores por aqui, enormes, centenárias, mas não na dimensão,
densidade e diversidade de Vidago. Sintra, onde se refugia para fotografar,
talvez ultrapasse Vidago na mancha arbórea. A Câmara de Sintra e diversos grupos de defesa do património sabem muito bem o tesouro
que têm. Mais do que usufruírem de uma natureza preservada e diversificada,
vendem-na. Confessa, sempre que se fala do assunto, a mágoa ao ter constatado a
destruição dos carvalhos que ligavam umbilicalmente Vidago ao Parque do Palace.
Cortaram o que unia dois universos tão distintos a troco da ideia de
“requalificar a avenida”, como se fosse possível requalificar cortando cerce e
sem critério o que é impossível substituir de uma só vez – árvores adultas. Não sei quem impingiu
esta ideia, mas tenho a certeza que não se lembraria de tal quem nasceu por lá.
Também eu fui educado pela terra. Na rua, claro, como era
comum naquele tempo. E em Vidago a nossa rua era, para nossa felicidade, muito
mais do que isso: um espaço infinito e um mundo de aventuras marcado sobretudo
pelos parques, pelo campo de golfe e pelas avenidas cobertas de sombra. Desde
muito novos aprendemos a identificar as árvores e a chamá-las pelos nomes, como
se faz com as pessoas.
Começo, deixando a memória vaguear pelos finais dos anos sessenta, por
onde só podia começar: pelo centro mais antigo da vila – o Largo do Olmo. Há
melhor mote? Dar o nome de uma árvore ao núcleo da pequena Vila. O olmo desapareceu,
como quase todos os olmos na europa, mas a vontade em centrar o futuro à volta
das árvores manteve-se. Apesar das tentativas vãs em repor a espécie, acabaram,
anos mais tarde, por substituí-lo por um carvalho-americano. Bela alternativa. Recordo-me,
a propósito dos olmos, muito comuns na altura, o esforço do meu pai e amigos
frequentadores do Café Capri em combater o fungo para salvar um velho e
frondoso olmo à frente do café. E quem não se lembra também do gigantesco eucalipto
à frente do Grande Hotel a fazer lembrar o zimbório de uma catedral; ou do belo acer da meia-laranja que continua a equilibrar o espaço do elegante posto de
turismo; quem se esquece das três acácias da farmácia; do buxo que ultrapassava o muro alto do quintal do Sr.
Costa; dos contrastes lustrosos em pleno inverno das japoneiras escondidas
pelos muros do Dr. Canavarro; ou das amoreiras à frente da escola do Professor
Fraga que tingiam de açúcar a sua sombra e anunciavam o final do ano escolar;
ou dos enormes plátanos, olmos, pinheiros que acompanhavam a estrada nacional até
ao apeadeiro Salus, até Oura, até Loivos e até ao fim de tudo; e a magnífica
cobertura ogivada de plátanos da avenida que ligava a Estação de Caminho-de-ferro
ao Palace, muito antes das soluções do arquiteto Santiago Calatrava para a gare do oriente em Lisboa; ou do biombo
de árvores pujante que aconchegava e dignificava a ruína do Hotel do Golfe; e
os amieiros, freixos e salgueiros que apertavam e davam vida ao rio oura; e os
carvalhos americanos que se generalizaram por toda a vila e tudo uniam. (Como
ficava bem na heráldica de Vidago um simples carvalho-americano) E depois o campo
de golfe, meu deus! O relvado, as mil e uma espécies – do vulgar pinheiro à invulgar
sequoia, dos choupos às magnólias, das cuprésseas às tílias - e a paleta de
cores que proporcionam e marcam a passagem do tempo.
Não sei de quem é a ideia, mas faço-a também minha de
tanto a usar: “O ser vivo mais antigo de uma cidade que se preze deve sempre ser
uma árvore. A longevidade, beleza e estado dessa árvore diz-nos quase tudo
sobre essa cidade.”